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É cedo ou tarde demais? As eleições das mesas do Congresso Nacional
Humberto Dantas[1]
As eleições municipais movimentam a política nacional, mas existem elementos adicionais que parecem ocupar mais a pauta de algumas lideranças. Estamos falando da escolha dos presidentes das duas mesas diretoras do Congresso Nacional. O pleito ocorre em fevereiro de 2025, e o papel central dessas figuras na dinâmica parlamentar exige cuidados por parte de Legislativo, Executivo e Judiciário. No âmbito do próprio parlamento essa afirmação é óbvia, incluindo aqui a ideia de que Rodrigo Pacheco, atual presidente do Senado, e Arthur Lira, da Câmara, dão mostras diárias do quanto o país complexifica sua realidade quando tais personagens têm entre si desacertos. O mais emblemático desalinhamento, com efeito direto sobre o Executivo, responde pelo rito de tramitação das medidas provisórias.
Mas não se restringe a tal ponto o interesse do Executivo sobre os comandos das casas parlamentares. O presidente de cada sede do bicameralismo é um orientador de pautas que pode contribuir ou prejudicar interesses do Planalto, além do que, as disputas por fatias cada vez mais densas do orçamento da União, sem as facilidades de outrora em contrapartidas associadas à lógica de coalizão, também dão o tom.
Por fim, merece atenção o interesse do Judiciário. Para além de judicializar políticas públicas e decisões estratégias em conflitos que se tornaram intensos nos últimos anos, o STF tem sido ameaçado por projetos de retenção do seu poder e contenção de seus ímpetos ativistas. A negociação, assim, ganha caráter complexo e essencial.
Diante de tamanho poder desde ao menos 2015, e as ações de Arthur Lira (PP-AL), principalmente, indicam um presidente que superdimensiona a força do cargo, o desejo pela ocupação de tal posto se torna cada vez mais aguçado. O Executivo aqui costuma dar apoio, mas exageros, em campanhas escancaradas, geram reações do parlamento com discurso de respeito à autonomia dos poderes. Aqui, atualmente, Lula sequer tem como sonhar com alguém de seu partido, tamanho o perfil conservador do atual Congresso. O que fazer? Depende.
As eleições municipais, que levarão parlamentares para suas bases, podem dar demonstrativo de forças. Na Câmara, Lira tem batido o pé que deseja ter o “direito de fazer seu sucessor”. A frase é equivocada, pois seu máximo é indicar preferências, lembrando que sua primeira vitória, em 2021, foi justamente sobre o apontado do então presidente – o deputado Baleia Rossi com apoio de Rodrigo Maia.
Assim, na Câmara, o nome que ganhou destaque, e investiu recursos nababescos em festas de Réveillon e Carnaval, é o de Elmar Nascimento (UBR-BA). O problema é que muita evidência em cenário de efervescência tende a transformar o postulante em alvo fácil. Lula, nesse sentido, tem conversado com Lira para chegarem a consensos. E aqui teríamos Marcos Pereira (REP-SP), bem como Isnaldo Bulhões (MDB-BA) e Antônio Brito (PSD-BA) adicionados à disputa. O nó a ser desatado, assim, está associado ao futuro político de Lira fora da cadeira e a como dirimir conflitos entre ele e o Planalto.
No Senado, o caminho parece mais pavimentado para a volta de Davi Alcolumbre (UBR-AP) ao comando da casa que entregou a Rodrigo Pacheco (PSD-MG) em 2021. O desafio aqui esbarra nas percepções sobre o quanto jogos combinados, com antecedência, se mantêm inalterados. Escândalos envolvendo o amapaense tendem a prejudicar sua caminhada, e denúncias não faltam.
Apimenta as duas disputas a estratégia bolsonarista de ofertar apoio de peso com a bancada do PL, principalmente, aos postulantes que se comprometerem com proposta de anistia ao ex-presidente que nasceria dentro do Congresso. Será? A questão, como alguns parlamentares apontam é esperar, e o segredo é não desviarmos a atenção. Como diria a canção: é cedo, ou tarde demais?
Inundações no Rio Grande do Sul: eventos climáticos extremos e lições para os demais estados
Etiene Villela Marroni[2]
Era um dia bonito de sol, domingo, 28 de abril de 2024. Em Pelotas, Rio Grande do Sul, às margens da lagoa dos Patos, os moradores e turistas extasiavam-se com o fenômeno conhecido como “baba de boi”, comum no extremo sul do Brasil. Na cultura popular, esse fenômeno, que compreende o voo de teias de aranhas filhotes pelo ar, precede a chuvas e tempestades. A natureza avisou. A sabedoria popular alertou.
Escrever em um contexto de calamidade extrema, pressupõe escrever mais com o sentimento do que com o intelecto. Escreve-se com revolta, dor, desilusão. Sentir os eventos climáticos faz-nos refletir sobre falhas humanas e políticas. Não se pode mais aceitar o “estamos aqui para o que der e vier”. Não podemos mais esperar o espírito de solidariedade de heróis anônimos. Precisamos entender que, fora o heroísmo individual e coletivo, o que precisamos é de uma organização social lógica, para que não somente aprendamos com nossas dores e desgraças, provocadas pelo uso inadequado de um espaço que não é meu, teu... é nosso, mas para que possamos incorporar o sistema político no nosso cotidiano. Porque tragédias divulgam rostos, nomes e sobrenomes de muitos que sempre entenderam o sentido de solidariedade, mas mal sabem o que significa sustentabilidade. A dor torna-se universal e não individual.
Assim como em uma guerra, fugimos para locais seguros... mas onde está a segurança quando estamos em guerra com a natureza? É ilógico pensar que aquela que nos prove, que nos sustenta, está nos perseguindo. E por que estamos fugindo? Porque continuamos estudando a mudança climática e tantos outros termos acadêmicos e científicos em seus aspectos mais amplos e macros. O micro, os indivíduos, as pequenas referências cotidianas, são o início de uma nova reorganização para eventos climáticos. Temos tecnologias, mas não temos o básico nas cidades: diques, conscientização, educação ambiental, participação política. As políticas públicas para o meio ambiente, tão presentes no Estado brasileiro, não chegam à base. Tomo como referência o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, da década de 1990, que pressupunha planos estaduais e municipais e respectivos zoneamentos ecológicos e econômicos. O Plano não avançou de forma homogênea e organizada nos municípios costeiros e não inseriu os conhecimentos populares e locais no debate. O Brasil é plural e as soluções necessitam de contextos regionalizados. A política precisa chegar a quem precisa.
A “Tragédia dos Comuns” conceitua indivíduos que contam lágrimas e desespero. As ruas alagam e o clima castiga. Escuridão, abandono. Ninguém se entende e muito menos entende o que acontece. O público e o privado contrapõem-se na ânsia de resolver algo que não se resolve. As respostas são muitas, mas as resoluções poucas. Olha-se ao longe os grandes condomínios em regiões paradisíacas, a especulação imobiliária em áreas de risco. No mesmo horizonte o bioma Pampa, sendo engolido pelo desmatamento em prol da produção intensiva de grãos. Lucratividade e dividendos destruindo matas nativas, poluindo rios e arroios. O futuro chegou. E onde estão as soluções? Rivalidades, vaidades políticas, econômicas e sociais são empecilhos.
Incorporar a preservação ambiental nas municipalidades brasileiras pressupõe o conhecimento claro das políticas públicas pelos gestores dos diferentes níveis. Em um contexto de reformas políticas no país, entendo ser importante pensar em incentivos fiscais para estados e cidades que cumprirem normas ambientais vigentes. Pensar em propostas como: recuperação de matas ciliares, qualificação da defesa civil (inclusive para o monitoramento de áreas de risco), corredores verdes, diques de contenção, descentralização da produção e do poder dos grandes centros, parcerias públicas e privadas, a partir de incentivos financeiros. Porque lidamos no contexto do capital. E a nação não pode ficar refém de uma economia do lucro, onde tudo é possível. Debater as mudanças climáticas em meio de uma catástrofe climática, é entender que falhamos por causa de nossos individualismos e vaidades pessoais.
O G20 e a necessária busca por agendas comuns
Paulo Afonso Velasco Júnior[3]
Pela primeira vez desde que foi constituído, o G20 tem uma sequência de países do Sul Global à frente da definição da agenda e das ênfases do agrupamento em presidências sucessivas: Indonésia (2022), Índia (2023), Brasil (2024) e África do Sul (2025). Trata-se de boa oportunidade para aproveitar melhor as potencialidades do grupo em favor de causas urgentes como a reforma das instituições de governança global, a luta contra a desigualdade, a fome e a pobreza e, naturalmente, o enfrentamento das mudanças climáticas e a promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental.
Surgido na esteira das instabilidades sistêmicas da década de 1990 e reforçado em resposta à crise financeira de 2008, o G20 oferece a rara realidade de combinar grandes representantes do norte e do sul global, em torno de temas tão variados como energia, meio ambiente e mudanças climáticas, saúde global, empoderamento feminino e migrações, em muito extrapolando as agendas mais estritamente econômico-financeiras de sua origem.
É sabido que a estabilidade internacional depende de uma melhor coordenação entre atores variados, não mais sendo possível circunscrever o debate apenas aos tradicionais aliados do mundo ocidental. Assim, foros como o G20 representam espaços valiosos para a busca por algum grau de sinergia e entendimento, não obstante diferenças naturais que possam existir em termos de visão de mundo ou até mesmo eventuais disputas geopolíticas.
De fato, questões como o combate à pobreza e a busca por uma ordem internacional mais justa e menos assimétrica parece ser uma agenda compartilhada por todos os membros do agrupamento, à margem de eventuais descompassos sobre os melhores modelos para o desenvolvimento. Nesse sentido, a Força Tarefa para o Lançamento de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, já articulada durante a presidência brasileira, pode e deve servir de estímulo para a adoção de ações concretas.
Da mesma forma, a Força Tarefa para a Mobilização Global contra a Mudança do Clima e a Iniciativa para Bioeconomia também configuram iniciativas brasileiras que vão ao encontro da necessária busca por uma melhor coordenação internacional e multissetorial em favor de uma transição climática e energética compatível com as contribuições nacionalmente determinadas assumidas junto ao Acordo de Paris em 2015, bem como com objetivos incluídos na Agenda 2030 da ONU.
Existe, ainda, óbvia urgência de uma reforma da arquitetura financeira internacional, que permita melhor tratar de questões como a crise de endividamento no Sul Global, bem como corrigir as distorções de voz e voto na estrutura das instituições financeiras do pós-II Guerra Mundial. De fato, a busca por uma governança global mais eficaz e representativa, em face de um mundo mais multipolar e crescentemente pós-ocidental, passa pela abertura dos foros decisórios multilaterais a uma mais ampla participação dos países do sul global, e isso é algo que pode e deve ser impulsionado a partir de espaços influentes como o G20. Urge, outrossim, redefinir o papel e funcionamento dos obsoletos bancos multilaterais de desenvolvimento, em grande medida descolados das particularidades dos países e regiões sob suas responsabilidades e carentes de instrumentos financeiros adequados.
Tem sido auspicioso verificar um G20 mais inclusivo, com ativa participação da sociedade civil e inclusive a perspectiva de realização de um G20 Social, ancorado na construção de consensos e voltado para a obtenção de resultados concretos e soluções que beneficiem todos os povos. Com efeito, para além da trilha financeira e da trilha política (ou de sherpas), chamam a atenção os diversos grupos de engajamento, reunindo fóruns ou organizações que representam diferentes setores da sociedade civil, empresas e outros grupos de interesse e buscam contribuir para o diálogo e a troca de informações.
A articulação de agendas consensuais e a busca por maior engajamento da sociedade civil são caminhos necessários para evitar que o G20 sucumba aos desencontros de uma ordem internacional fraturada e pontuada por antagonismos e se torne mero emissor de intenções vagas e genéricas sobre temas urgentes da agenda contemporânea.
[1] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.
[2] Doutora em Ciência Política. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política – Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul. E-mail: etiene.marroni@ufpel.edu.br.
[3] Doutor em Ciência Política pelo IESP-Uerj, professor-associado de Política Internacional da Uerj e bolsista de produtividade Prociência da Uerj/Faperj.