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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 06/2024

Um calendário complexo, que exige atenção / O fim das coligações em eleições proporcionais nos municípios: O que se viu? O que virá este ano?

O novo número da série Brasil em Foco está disponível para download gratuito, e traz dois artigos dedicados aos temas do calendário eleitoral e do fim das coligações em eleições proporcionais. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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Um calendário complexo, que exige atenção

Humberto Dantas[1]

As eleições são guiadas por um calendário. O eleitor que olha apenas para candidaturas, campanhas e, principalmente, para a urna eletrônica no final de todo esse roteiro, não tem ideia do quanto o calendário eleitoral é essencial. Mas o que é isso?

Trata-se de um conjunto de datas organizadas e sistematizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral que estabelece limites para as mais diversas situações associadas ao universo das eleições. Por exemplo: existia um limite, no começo de maio, para regularização, alteração ou obtenção do título de eleitor. Existia um prazo, no começo de abril, para que os políticos se filiassem aos partidos se o objetivo é participar do pleito municipal de 2024 como candidatos. Perceba: tudo tem uma data, um limite, e isso é regulado por lei pelo calendário eleitoral.

A partir de tal constatação, sabemos qual o tamanho do eleitorado brasileiro este ano, por exemplo, assim como temos a dimensão de quem poderá ser candidato, quando o assunto é filiação partidária. Outras pistas são importantes de serem percebidas. Por exemplo: faltando seis meses, quem está no Poder Executivo, como secretário, e quer se candidatar ao Legislativo, para o cargo de vereador este ano, deixou o poder, ou seja, no começo de abril de desincompatibilizou. Já quem era titular de Secretaria e almeja posto no Executivo, ou seja, prefeito ou vice, o prazo de quatro meses para o afastamento era começo de junho. Por fim, para servidores públicos, estatutários (concursados) ou não, o afastamento deve ocorrer com três meses. Percebe? É tudo regulado na letra da lei e com base no calendário.

Essa discussão nos coloca diante de algo pouco sentido, comentado e percebido: o caráter estratégico e essencial dos partidos políticos, e o controle deles sobre o destino das candidaturas. Note: a filiação partidária de uma futura candidatura precisa ser definida até seis meses antes do primeiro turno, ou seja, começo de abril. Mas as convenções partidárias, isto é, as reuniões formais dos partidos que definem as candidaturas, ocorrem apenas entre 20 de julho e 05 de agosto. Percebe? O político se filia até abril com a promessa de que será candidato, mas esta confirmação só ocorre alguns meses depois.

Num país em que muitos políticos têm desapego pelas legendas, fazendo contas convenientes de onde entendem “ser mais fácil se eleger”, não é incomum que alguns compareçam às convenções crentes de que aparecerão nas listas de candidaturas e voltem para casa frustrados. Nesses casos, o que pode ser feito? Em tese: nada. A convenção é soberana, o partido é autônomo, e se a promessa de uma vaga não foi cumprida, isso significa que o postulante não soube se organizar na estrutura do partido. A vida dentro de uma legenda exige articulação, negociação, colaboração e interação. Muitos políticos não percebem o quanto isso é essencial, adiando o sonho da participação eleitoral ou abandonando a ideia. Nesses casos, costumam reclamar publicamente, se dizendo traídos. Quem traiu quem aqui?

Antigamente, o prazo de filiação era de um ano, e a ansiedade era ainda maior. Particularmente, parece possível afirmar que seria interessante o país se esforçar em duas direções complementares: adensar o compromisso dos políticos com a consolidação dos partidos, devotando mais tempo para sua construção e para o caráter perene de suas atitudes, agendas, compromissos e ideologias e; consequentemente, fazer o eleitorado cobrar maior permanência e fidelidade partidária de seus representantes, o que levaria a uma aproximação e simpatia maior do próprio eleitor com a agremiação. Isso parece distante de ocorrer em nossa realidade, e enquanto isso, vamos contando os dias para convenções, eleições, posses etc.

 

O fim das coligações em eleições proporcionais nos municípios: O que se viu? O que virá este ano?

Silvana Krause[2]

Experiências com alterações de regras eleitorais são inúmeras. Seus efeitos devem ser avaliados com parcimônia.

Mudanças nas normas de competição eleitoral e representação política podem ter “boas” ou “más” intenções. As normas impactam também na direção desejada ou não. Importante ter no horizonte que seus efeitos não serão sempre garantidos, pois também dependem do contexto e dos atores que as fazem “funcionar”.  Isso por duas razões. Uma, porque o ambiente em que é aplicada se altera. Uma ferramenta comprovadamente eficaz para combater a degradação do solo, perde sua eficácia em um novo contexto de existência de uma crise climática. Outra razão é que a efetividade da norma depende dos atores que a utilizam. Eles precisam estar convencidos em segui-la e mudam, seja no tempo ou no espaço. Isso porque a regra pode ter uma maior longevidade do que a dos atores. Há também a possibilidade de novos atores, não convencidos com a norma, criarem subterfúgios. Ou até mesmo o próprio ator alterar seu comportamento diante de uma mesma norma. 

O debate sobre coligações tem uma longa trajetória no Congresso Nacional, com idas e vindas. As resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e iniciativas de Emendas Constitucionais no Congresso são um demonstrativo da instabilidade das regras do jogo. Entretanto, a Emenda Constitucional Nº 97/2017, que proibiu as coligações proporcionais, foi aprovada sem muitas resistências no Congresso. Isto especialmente devido ao acordo de uma menor exigência na introdução da “cláusula de desempenho”, que afeta especialmente o acesso ao financiamento público dos pequenos partidos do eixo da esquerda. Há uma proposta de emenda constitucional apresentada no senado em 2019 que propõe a permissão de coligações para as Câmaras Municipais. Está em tramitação, parada e com poucas chances de ser futuramente aprovada.

Os fundamentos à proibição das coligações em eleições proporcionais já foram suficientemente demonstrados: as coligações a) incentivam a representação de pequenos partidos, impactando na fragmentação dos legislativos e, como consequência, na governabilidade; b) são meros acordos eleitorais: os mandatos dos partidos eleitos nas coligações não têm qualquer compromisso de permanecerem juntos, com uma atuação coesa no legislativo; c) fomentam o personalismo: candidatos bem votados individualmente têm maiores chances de conquistar um mandato, porque a distribuição das cadeiras adquiridas por uma coligação segue a ordem da votação dos candidatos individualmente mais bem votados e não pela votação das legendas que compõem a aliança.   

Sem dúvida, é muito cedo para uma avaliação segura do que vem pela frente, desejo, porém, ser otimista e defender a tese de que regras importam e trazem diferentes resultados. Já foi constatado nas duas eleições (2020 e 2022) em que a norma foi aplicada, a tendência geral de diminuição da fragmentação nos legislativos (municipais, estaduais e nacional). Interessante foi observar as alternativas de sobrevivência dos atores com a formação das federações, fusões e uniões das legendas diante do novo desafio: desde 2019 houve 3 incorporações, 2 fusões e 3 federações de legendas, uma clara reação à mudança da regra. Os atores encontraram alternativas para sobreviver e diminuiu o número de legendas representadas. Em particular, as federações partidárias são de fato coligações eleitorais, porém, com a obrigatoriedade de permanecerem associadas na atuação da duração dos mandatos. Justamente as federações são legendas com proximidades no eixo da esquerda. Ou seja, a identificação entre elas facilitou a sua formação, não reduzidas ao contexto de uma estratégia eleitoral.

Se há uma perspectiva positiva de manter a tendência de diminuição da fragmentação nas câmaras municipais no pleito deste ano, há questões que deverão ser observadas. Nem tudo são flores! A vigilância é necessária. Nas eleições municipais de 2020, por exemplo, foi detectado que nos municípios com menos de 200 mil eleitores houve uma maior concentração de poder. Se em 2016, apenas 38% dos prefeitos destes municípios tinham seu partido com maioria na Câmara Municipais, em 2020 pula para 52%. Este dado indica maior facilidade na governabilidade, mas também sinaliza um alerta. O fenômeno de concentração de poder político em municípios menores, conhecido como “mandonismo local” pode estar sendo fortalecido.

 

[1] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.

[2] Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política /UFRGS.

 

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