Publicador de Conteúdo

Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 9/2023

Legislativo e Judiciário na atual política brasileira / Eventos extremos climáticos no Brasil / O primeiro desafio do Brasil na presidência do Conselho de Segurança da ONU

A nova edição da série Brasil em Foco está disponível para download gratuito, com três textos sobre os seguintes assuntos: o primeiro analisa alguns dos principais aspectos da relação entre os poderes Legislativo e Judiciário, e implicações para o cenário político como um todo; o segundo texto é dedicado aos eventos climáticos extremos no Brasil na atualidade, e o terceiro discorre sobre a presidência do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, com enfoque nos encaminhamentos relacionados ao conflito em Gaza. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

Publicador de Conteúdo

compartilhar

Duelo de gigantes – a relação de Legislativo e Judiciário na atual política brasileira


Humberto Dantas


É complexa a engenharia institucional que permite a compreensão sobre mecanismos de freios e contrapesos nas relações entre poderes republicanos de uma nação que se pretende democrática. Para se entender tal realidade, a Teoria Institucional ajuda, e aqui entra a relação entre instituições formais e informais à percepção do que seja eficiência para um dado fim.
Tenha a Democracia como tal “fim” e se pergunte quais as formalidades e informalidades que desafiam a consolidação de tal princípio no Brasil. Um exemplo cultural (informal) auxilia: pense no protagonismo individualista do brasileiro, somado a exacerbada criatividade, certa arrogância e alto nível de convicção sobre qualquer tema. Se identificou? O resultado é desafiador.
Agora imagine que todo esse cenário se some à concentração imensa de poder na Suprema Corte. O STF, que para os puristas deveria ser um poder responsável e técnico, como guardião da Constituição se configura em arena política, formada por onze cidadãos brasileiros. Percebeu? Volte algumas linhas: o STF é composto por pessoas que provavelmente sofrem do tal protagonismo individualista somado à criatividade, arrogância e convicção. Por quê? Porque são brasileiros. Assim, não é incomum desafiarem a Constituição Federal, por exemplo, ao externarem opiniões fora dos autos a todo instante. Faz quanto tempo você não assiste ministros do STF opinando em palestras, entrevistas ou comentários, até mesmo, nas redes sociais? A resposta é dada em dias, horas, quiçá minutos. Em 2021, por exemplo, a empresa Bites contabilizava três ministros do STF com mais de 200 mil seguidores no Twitter!
Agora deixe de lado a justiça e mire o Congresso Nacional. O parlamento é a verdadeira esfera da convicção, mas lembre que o autor disso é alemão. E na realidade de Weber, convicção era sentimento que precisava, por vezes, ser evocado em detrimento da responsabilidade. Essa lógica informal se apresenta assim no Brasil? Aqui o valor a ser implorado é a responsabilidade, sobretudo no Judiciário. Mas o olhar é sobre o parlamento, que no caso brasileiro é bicameral e composto por 594 congressistas, tornando a aprovação de algo desafiadora. Um Legislativo dessa dimensão, numa sociedade convicta, faz a democracia ser literalmente a arte do possível. E quando algo é impossível, certamente não poderá caminhar, lembrando que na política, “não decidir” é uma decisão.
Conclusão possível: o Brasil tem um Legislativo imenso onde consensos são difíceis e um Judiciário convicto demais para as suas responsabilidades. Se após a promulgação da Constituição que completou 35 anos em outubro, o STF se mostrou discreto e desafeito a papel mais político, tal característica se esvaiu. E de tempos para cá, por diversos motivos, a Suprema Corte se tornou atriz política central. Seja por iniciativas próprias, seja porque diversos atores perceberam que provocá-la era estratégico.
Assim, conjunturalmente, diante de um Congresso convicto de seu conservadorismo e de um Judiciário ativo e mais progressista, vai haver conflito. Exemplos dessa realidade judiciária que toma decisões que “interpretam” a lei sem vê-la reformada na esfera legislativa não faltam. E hoje a entrada na chamada “pauta de costumes” pelo STF emprestará sentimentos extremados nas relações entre Legislativo e Judiciário, tais como o casamento homoafetivo interpretado pelo STF em 2011, que pode ser revisto pelo atual Congresso conservador. O mesmo ocorre com o aborto, o Marco Temporal etc. Se oposição, situação, esquerda ou direita aprenderam o caminho da judicialização, e a casa que decide por vezes reinterpreta a lei ao sabor de sua criatividade, prepare-se para conflitos. E aqui não importa o que penso sobre tais temáticas, pois não é sobre elas que escrevo.

 

 

O novo normal - Eventos extremos climáticos no Brasil


Camila Pontual


 Os filmes sobre o fim do mundo, em geral, começam com cientistas sendo ignorados enquanto gritam aos quatro ventos a urgência de ação. Devemos aprender com eles. É preciso ouvir a ciência e sair da inércia com políticas baseadas em evidências.
A emergência climática já nos impacta diariamente, vivemos ondas de calor, com recordes diários de temperatura. Chuvas mais frequentes e fortes, como tivemos no Estado de Santa Catarina, e as secas na região da Amazônia, o que impacta a vida das populações locais. Como reporta o Boletim do INPE sobre o El Niño, anomalias nos padrões de precipitações e temperaturas são características desse fenômeno.
Há anos a ciência nos alerta que a temperatura do globo está mais quente, e que os limites planetários estão sob ameaças. As pesquisas climáticas reforçam com alta probabilidade e precisão, com os relatórios do IPCC que as próximas décadas serão complicadas e marcadas por um novo normal. As tragédias recentes do Sul ao Norte do país mostram que vivemos um ultimato no qual eventos extremos vão se acumulando.
No Brasil, a periodicidade e intensidade impactam a economia, causam prejuízos tanto na infraestrutura urbana, quanto na produção das commodities, e, sobretudo, nas populações. Embora esse efeito seja universal, ele é desigual. As consequências da crise climática reforçam as desigualdades socioeconômicas, afetando de forma mais grave as populações e comunidades vulneráveis que têm mais obstáculos para reconstruir suas vidas. A salvaguarda de direitos e da dignidade humana   é primordial para garantir que o combate à emergência climática seja norteado por uma  justiça climática.
 Para lidarmos com essa nova realidade, novos paradigmas são necessários. Além de avançarmos nas políticas de descarbonização para acelerar as medidas de mitigação, é urgente adaptar as cidades brasileiras.
 De acordo com o Monitor dos Desastres Climáticos  do Política por Inteiro do Instituto Talanoa, com dados do Diário Oficial da União, até o dia 19 de outubro deste ano, mais de 12 mil eventos já foram identificados como emergência em aproximadamente 3.300 municípios brasileiros, isso corresponde a 60% das cidades. Somente em agosto, foram 42  municípios que fizeram o pedido de reconhecimento de emergência. Conforme explica o Monitor, essa declaração de emergência é feita pelos governos estaduais e reconhecida pelo governo federal, o que permite aos municípios acessarem recursos.
 
 Os planos de adaptação municipais, estaduais e nacionais são elaborados e desenvolvidos para tornar as cidades mais adaptadas e resilientes aos impactos desses eventos extremos. Além dos planos, são necessários instrumentos de permitam aos municípios a lidarem com os choques, de forma a minimizar os seus impactos. Um dos casos mais interessantes é o Centro de Operações e Resiliência da cidade do Rio de Janeiro, criado em 2010, que implementou um sistema de alertas e alarmes em comunidades cariocas que são acionadas em caso de probabilidades de deslizamento. Esse sistema reduz a probabilidade de perdas de vidas humanas, e são um efetivo instrumento de política de adaptação à emergência climática que poderia ser replicada nas áreas de riscos do país.
 Essa é uma das ações que já foram implementadas, mas para a aceleração de novas políticas de adaptação, as cidades necessitam de maior acesso ao financiamento para a sua preparação para lidar com os choques climáticos. Segundo o PNUMA , os países precisam entre U$$160-340 bilhões por ano até 2030 para iniciativas de adaptação. Esses valores são altos, mas o custo da inação é maior. Com o acesso a recursos, a criação de planos de ação e instrumentos de operacionalização, o Brasil estará mais preparado para lidar com essa nova realidade climática.

 

 

O conflito em Gaza como o primeiro desafio do Brasil na presidência do Conselho de Segurança da ONU

​​​​​​​
Marianna Albuquerque


    Em 7 de outubro, o grupo palestino Hamas iniciou um ataque em grande escala contra Israel, após cruzarem a fronteira fortificada na faixa de Gaza. Mohammed Deif, comandante do braço militar do Hamas, disse que a operação foi uma resposta aos contínuos crimes contra a Palestina, que enfrenta, há décadas, o avanço territorial de Israel e as restrições de direitos. Após os ataques, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou que Israel estava “em guerra” e ordenou que forças de segurança combatessem o que classificou de ações terroristas com “uma magnitude que o inimigo não conhece”. Israel iniciou ataques aéreos e restringiu o acesso dos palestinos à luz, água e suprimentos. Estimativas são de que ao menos 5 mil pessoas foram mortas apenas nos 15 primeiros dias do conflito.
    Em 8 de outubro, o Brasil, após ter assumido a presidência do Conselho de Segurança nas Nações Unidas no dia 1, convocou uma reunião de emergência para avaliar a questão. Cabe ao país na presidência montar a agenda do mês e convocar, quando necessário, reuniões emergenciais. Se, antes, as prioridades brasileiras estavam relacionadas a temas como a solução pacífica de controvérsias, o conflito em Gaza tornou-se seu primeiro desafio. Na pauta da reunião, estavam consultas sobre alternativas para “desescalar” o conflito e implementar um cessar-fogo. Havia, ainda, a preocupação com a possível expansão do conflito para a Cisjordânia e o envolvimento de outros países, como o Líbano e o Irã.
    Após indefinições, no dia 13, o Brasil convocou um novo encontro, presidido pelo Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. A solicitação principal era a proteção de civis e o estabelecimento de um corredor humanitário para Gaza. O Egito já havia disponibilizado passagem pelo seu território. No meio tempo, alguns membros permanentes do CSNU apresentaram publicamente visões contraditórias. Enquanto os Estados Unidos defenderam o direito de Israel, seu aliado tradicional, à legítima defesa, a Rússia culpou os EUA pela escalada de tensões no Oriente Médio.
    Nesse contexto de divergências, o CSNU se reuniu em 16 de outubro, para votar dois projetos de resolução diferentes. O projeto de autoria da Rússia demandava um cessar-fogo humanitário imediato, a libertação e evacuação  segura de todos os reféns e civis, e a prestação desimpedida de assistência humanitária. Embora o projeto não mencionasse explicitamente o Hamas, condenava a violência contra civis e os atos de terrorismo.
    Durante as consultas, alguns membros pediram ao Brasil, na qualidade de presidente, para coordenar uma proposta alternativa, numa aparente tentativa de reduzir a politização associadas à iniciativa russa e aumentar as possibilidades do Conselho adotar um resultado. Com isso, o projeto brasileiro mencionava “pausas humanitárias” para permitir o acesso de auxílio. O projeto russo não foi adotado porque não obteve os votos necessários, nem o brasileiro, devido ao veto dos EUA, já que não mencionava o direito de Israel à legítima defesa.
    Nesse sentido, cabe ao Brasil acolher os pedidos para a convocação de novas reuniões e empregar a sua diplomacia na busca de linguagens de compromisso e de “mínimos denominadores comuns”. O desafio, entretanto, não depende apenas do incansável trabalho da delegação brasileira. Embora os membros do Conselho concordem sobre a necessidade de aliviar a crise humanitária em Gaza, permanecem divisões acentuadas sobre aspectos importantes da crise, suas causas e o papel que o CSNU deve desempenhar. Dois novos projetos estão sendo negociados e serão colocados em votação, um de autoria da Rússia e outro dos EUA. Dado as divisões de fundo, parece improvável que algum seja adotado.

 

Publicador de Conteúdo

Pessoa de contato

Reinaldo Themoteo

Reinaldo Themoteo KAS

Coordenador Editorial

reinaldo.themoteo@kas.de +55 21 2220 5441 +55 21 2220 5448

comment-portlet

Publicador de Conteúdo

Publicador de Conteúdo