A política hoje – presente e futuro em ritmo de análise
Humberto Dantas[1]
Quem imagina que as eleições de 2026 já começaram receberia um “meio certo” na prova de análise. Se por um lado o pleito seguinte começa na eleição atual, por outro parece cedo para se falar em futuro diante de tantas incertezas.
Em novembro de 2014, Bolsonaro declarou a um grande jornal que seria o próximo presidente do país. Convicção de parlamentar à parte, o que estava trazido pelo então deputado federal era a percepção de que o Brasil rumava para período intenso de extremismo que beneficiaria seu modo exacerbado de ser.
E agora? Lula tomou posse e fez discursos pregando pacificação política. Tal posição pode utilizar um princípio, a defesa democrática, para arrefecer outro: a intensidade do adversário. Mas algo precisa ser ressaltado: Lula e o PT estão longe de serem pacificadores. Historicamente seus discursos tendem a desqualificar adversários, algo que o petista ainda não consegue deixar de fazer. O “nunca antes visto na história desse país” de outrora é um exemplo, os “fantasmas do passado” de 2014, outro. No presente, as falas sobre Moro e Bolsonaro mantêm vivo tal espírito.
Assim, parece possível afirmar que Lula e o PT são partes do que empurrou fragmentos do eleitorado para a direita, assim como também foram as soluções encontradas em 2022 para o desembarque de parte do bolsonarismo. Isso significa que seu terceiro governo é menos um casamento e mais uma reconciliação, por motivos diversos, que justificariam seu novo mandato. Seus 100 primeiros dias, contagem simbólica explicada pela cientista política Graziella Testa em texto ao portal da Revista Problemas Brasileiros, mostram isso. As avaliações até aqui apenas refletem, quase como espelho, o que Bolsonaro tinha nos primeiros meses de 2019, ou mesmo no final de 2022. A intensidade política ainda não permite que se furem as bolhas extremas do último pleito. Tempo de espera.
Espera também associada à reconstrução da governabilidade, como comentado no podcast Legis-Ativo pelo cientista político Vitor Oliveira. Quatro anos de Bolsonaro e pandemia alteraram os padrões de relacionamento Legislativo e Executivo, com novos comportamentos de Mesas Diretoras, partidos políticos, lideranças e parlamentares. Muita coisa mudou, e tantas outras começam a voltar “ao normal”. Por isso, não estamos diante apenas de entender como Lula vai construir maioria no Congresso, mas de saber onde vamos parar. A tramitação das medidas provisórias, a distribuição de emendas parlamentares, os ritos de votação, a reorganização de comissões, os grupos de trabalho, tudo parece passar por tremores sísmicos. Assim: o que esperar, por exemplo, das medidas provisórias de Lula que vencem em 01 junho? Paciência, recursos e articulação, lembrando que a cientista política Joyce Luz lembrou que Dilma e Bolsonaro não conseguiram aprovar suas primeiras medidas antes de 01 de junho, algo que Lula e FHC fizeram com mais facilidade em outrora.
Diante de tudo isso, seria possível dizer que a oposição encontra espaço para prosperar? Nada é tão simples. Bolsonaro voltou ao Brasil depois de meses nos EUA. O que seria um retorno para reordenar a direita foi simbolizado por silêncio e respostas à justiça. O ex-presidente indica que joga parado porque Lula, sozinho, se atrapalha. Será? A justiça o ameaça de inelegibilidade por uma série de razões jurídicas que avançam no TSE e no STF. E como na política não há espaço vazio, já se fala em nomes como Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Michelle Bolsonaro, Damares Alves e Braga Netto para representarem este segmento. E agora? Cedo ou tarde para se falar em 2026, uma coisa é certa: desafios futuros e presentes coexistem na análise política. Sempre.
Situação atual do acordo comercial União Europeia – Mercosul
Miriam Gomes Saraiva[2]
Em junho de 2019 foi assinado o acordo comercial União Europeia-Mercosul. O acordo marco entre os dois blocos havia sido assinado em 1995, mas as negociações para a liberalização comercial começaram quatro anos depois. Durante vinte anos, as negociações foram interrompidas e retomadas mais de uma vez. Atravessaram mandatos de quatro presidentes brasileiros e coexistiram com posições divergentes entre as partes. Se a defesa da Política Agrícola Comum atuou da parte europeia, o protecionismo de setores da indústria e da área de licitações governamentais foram obstáculos colocados pelo Brasil.
Depois do longo tempo de idas e vindas, as negociações avançaram a passos largos durante os governos de Michel Temer e Maurício Macri. Mas para que o difícil equilíbrio fosse alcançado, o governo de Jair Bolsonaro derrubou a última barreira, das compras governamentais.
A assinatura do acordo não significou, porém, uma melhora nas relações Mercosul-UE e sua ratificação ficou em compasso de espera. Desde 2019 a UE reforçou sua orientação ecológica com o Pacto Verde e a questão ambiental se tornou o obstáculo para a ratificação do acordo. A fase de revisão sofreu os efeitos das queimadas na Amazônia e o liberalismo do Ministério de Economia esbarrou na falta de tato político do presidente. Na Argentina, a eleição de Alberto Fernández, de perfil neodesenvolvimentista, levantou dúvidas sobre a conclusão do acordo sem modificações.
Durante esses quase quatro anos, grupos se formaram fazendo oposição à ratificação do acordo. Além de parlamentares europeus, na Europa formou-se uma coalizão de organizações não-governamentais contra o acordo. No Brasil, embora contando com apoio da classe empresarial em função dos prazos dilatados para implementação das fases do acordo, foi formada uma frente contra o acordo, composta por cerca de 120 ONGs brasileiras, argumentando tratar-se de um acordo no formato Norte/Sul. Muitas dessas ONGs compõem a base de apoiadores do PT e de Lula.
Com a ascensão de Lula à presidência e seu programa de defesa do meio ambiente, parecia que os obstáculos para a ratificação estariam superados. Lula afirmou no primeiro mês de governo que os entraves ao acordo deveriam ser superados até o final de 2023. Embora ainda não tenha mostrado ganhos na redução do desmatamento, o governo atual recompôs as agências de controle do meio ambiente, e reforçou o combate ao garimpo ilegal. Nos marcos da defesa da democracia, o apoio à sua eleição por chefes de estado e de governo europeus teve um peso relevante para a consolidação do resultado obtido nas urnas.
Mas dificuldades se fazem sentir. Se na Europa os defensores do protecionismo levantam barreiras, no Brasil Lula enfrenta a parte de sua base política que se opõe ao acordo. Se no campo político Lula foi o presidente que mais se aproximou dos europeus com a Parceria Estratégica Brasil-UE, foi também o presidente que interrompeu as negociações do acordo comercial e reforçou a defesa de traços do desenvolvimentismo que se chocavam com interesses europeus. Durante a campanha presidencial Lula acenou com possíveis mudanças no acordo em área sensível para os europeus, de compras governamentais. Desde os demais sócios do Mercosul, se Lacalle Pou defende fortemente o acordo, Alberto Fernández também sugere ajustes.
Na agenda de política externa do Brasil, a ratificação do acordo não aparece com destaque, embora Lula tenha reafirmado recentemente que se empenhará pelo acordo e que faltariam somente pequenos ajustes. Atualmente, está na fase de revisão, e membros da Comissão Europeia dizem que sua conclusão se trata de uma prioridade. Terminar essa etapa apenas com pequenos ajustes no formato do acordo, é superar um obstáculo. A janela de oportunidade que se abriu em 2019 pode se consolidar.
O novo ensino médio: polêmicas em pauta
Reinaldo J. Themoteo[3]
O novo ensino médio foi aprovado em 2017 durante o governo de Michel Temer e está em vigor desde 2022. Foi alvo de polêmicas desde o período de sua tramitação, tendo sido suspenso pelo Ministério da Educação (MEC) após diversas críticas vindas de diversos setores da sociedade, como alunos, profissionais de educação e especialistas, entre outros. A suspensão foi assinada pelo ministro da Educação, Camilo Santana, no dia 4 de abril de 2023 e vai durar 60 dias, contados a partir da conclusão da consulta pública realizada pelo MEC com o objetivo de avaliar a as condições de implementação, antes de avançar com o processo. O Ministério da Educação defende a necessidade de melhoria da atual estrutura do ensino médio, sendo contrário à revogação.
Atualmente o novo ensino médio está estruturado em áreas do conhecimento integradas, são as seguintes: ciências humanas e sociais aplicadas, linguagens e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias e matemática e suas tecnologias. Antes estava organizado em diversas disciplinas que eram trabalhadas de modo individual: biologia, física, química, filosofia, geografia, história, sociologia, artes, educação física, língua inglesa, língua portuguesa e matemática.
Alguns aspectos destacados nas análises e debates acerca da nova estrutura que norteia os conteúdos ministrados nos três anos do ensino médio é a flexibilidade na oferta de disciplinas optativas, possibilitando ao aluno decidir parte de seu currículo. Contudo, outros estudiosos da educação brasileira assim como diversos professores e alunos criticam diversos aspectos das mudanças realizadas, como a falta de formação adequada dos professores para lidar com o novo ensino médio, bem como a falta de infraestrutura e espaço nas escolas, incluindo um número suficiente de salas de aula para a oferta das disciplinas (com diminuição de carga horária de algumas delas) e falta de computadores e internet para uso dos estudantes. Tais fatores podem aumentar a desigualdade nas condições de oferta do ensino médio país afora e de acesso ao ensino superior, uma vez que as condições de ensino variam muito nos municípios e estados brasileiros, incluindo disparidade no número de instalações disponíveis, nas dimensões das instituições de ensino e no volume de recursos disponíveis para a educação, em cada localidade[i].
No debate sobre o novo ensino médio se destacam as preocupações de que, ao invés de modernizar a educação brasileira e preparar as futuras gerações para os desafios do século XXI, a nova estrutura venha a gerar o agravamento da desigualdade das condições de acesso ao novo ensino médio. Além disso, tais discussões chamam a atenção da opinião pública para os problemas e dificuldades que a educação brasileira enfrenta de longa data e que foram agravados pela atuação desastrosa do governo Bolsonaro na área da educação. Olhando os dados sobre a educação básica no Brasil segundo os estudos internacionais mais recentes, vemos retrocessos. Na edição mais recente do ranking de competitividade do Institute for Management Development, lista na qual Brasil figura em 59º lugar [ii], entre os 63 países incluídos na análise. O Brasil caiu duas posições em relação ao relatório de 2021. No mais recente relatório do Programa Internacional de Avaliação e Estudantes (Pisa) divulgado em 2018, o Brasil apresentou baixos índices de proficiência em matemática, leitura e ciências, se comparado com 78 países que fizeram parte do estudo.[iii]
A suspensão do novo ensino médio se afigura como uma janela de oportunidades, possibilitando que sociedade civil e tomadores de decisão debatam amplamente sobre a necessidade de adequação das instituições de ensino às novas diretrizes do ensino médio, a fim de evitar, seja o aprofundamento de antigos problemas seja o surgimento de novas dificuldades. É fundamental que os amplamente conhecidos problemas existentes na educação brasileira, como a necessidade de valorização da carreira de professor, a melhoria das condições das escolas e o enfrentamento ao chamado apagão docente, que é uma projeção de um déficit de aproximadamente 235 mil professores na educação básica em 2040[iv] sejam enfrentados de forma contínua. E para além destas questões e das dificuldades de infraestrutura, recentemente vemos o agravamento da violência nas escolas, a demandar medidas de proteção de alunas e alunos, o que também impacta a saúde mental de profissionais da educação e alunos, e requer ação coordenada por parte do poder público bem como por vários atores da sociedade civil. Se queremos um Brasil menos desigual, que ofereça melhores condições de vida para as pessoas e mais democrático, é preciso encarar de frente tais desafios de modo a melhorar as condições da educação no país, porque um país que cresce e se destaca no conjunto das nações começa com a oferta de condições para que as futuras gerações floresçam e desenvolvam o seu potencial.
[1] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS
[2] Doutora em Ciência Política pela Universidad Complutense de Madrid, é Professora Titular do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
[3] Coordenador editorial da Fundação Konrad Adenauer no Brasil, doutor em Filosofia pela UFRJ.
[i] https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10650/1/td_2663.pdf
[ii] https://www.imd.org/centers/wcc/world-competitiveness-center/rankings/world-competitiveness-ranking/
[iii] https://www.oecd.org/pisa/publications/pisa-2018-results.htm
[iv] https://revistaeducacao.com.br/2023/02/06/apagao-docente-jovens-se-afastam-da-profissao/