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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 03/2024

Primeiras tendências das eleições municipais / Os impactos para o Brasil em caso de uma vitória de Donald Trump nas eleições estadunidenses

Leia o novo número da série Brasil em Foco, com dois artigos que sobre os seguintes temas: um dedicado às tendências iniciais em relação às eleições municipais de outubro, e outro que discorre sobre os impactos de uma possível vitória de Donald Trump nas eleições estadunidenses para o Brasil. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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Primeiras tendências das eleições municipais

Humberto Dantas[1]

O começo de abril marca seis meses para o primeiro turno das eleições municipais, e representa o fechamento da janela de trocas partidárias dos vereadores eleitos em 2020. Naquele ano não existia União Brasil. O PT não estava no Planalto, maior distribuidor de recursos municipais. O PL não tinha recebido Bolsonaro. As federações partidárias entre PV, PC do B e PT, Rede e PSOL, e PSDB e Cidadania não existiam. Algumas fusões ou incorporações não tinham ocorrido. Assim, a despeito da repaginação partidária, quase 60 mil vereadores ficaram “presos” a partidos no interior de seus mandatos.

Fosse o Brasil uma democracia onde os políticos primam pela fidelidade partidária, tais ocorrências não teriam peso, ou mesmo que existissem, o impacto nos municípios não seria sentido. Assim, o primeiro ponto a ser observado é: como vereadores se comportaram na janela de trocas de 2024?

O segundo ponto: como grupos políticos estão se organizando nas cidades? Parte dos estudos sugere que partidos, por vezes, são apenas organizações formais às quais candidaturas se associam como formalidade eleitoral, sobretudo nas cidades. Ou seja, é comum certo desapego às legendas em lógicas mais acentuadas em termos locais. Isso nos leva para duas questões: como os partidos se organizarão este ano e o que isso tem de relação com a polarização nacional?

Na primeira, destacam-se duas ocorrências que aportam incertezas ao próximo pleito municipal. Em 2020, tivemos uma pandemia que limitou a circulação no momento de os partidos se formalizarem para as eleições, o que tende a ocorrer, em muitos casos, perto do limite legal em abril. Ademais, tivemos a menor média de legendas por cidade. Entre 2000 e 2016 tal número foi sempre crescente, partindo de algo em torno de oito até atingir 14. Mas em 2020, voltamos para cerca de nove. Isso poderia ter sido causado pelo Covid, mas como o total de candidaturas bateu recorde, algo indica que o peso das reformas políticas, sobretudo com o fim das coligações proporcionais, impactou mais. E aqui em dois sentidos: grupos ou partidos mais estruturados se sentiram na obrigação de lançarem mais nomes, enquanto certas figuras locais, que se escondiam atrás de partidos pequenos àquela realidade específica, perderam sentido pela incapacidade de montarem chapas competitivas. Aqui, literalmente, o “pequeno negócio” partidário perdeu sentido. Para além de tais impactos, em 2024 estreia nos municípios o limite de 100%+1 nas nominatas proporcionais. Com isso, pode ficar mais fácil montar chapa competitiva, mas a disputa intrapartidária pode frustrar expectativas pessoais.

Na segunda questão, é essencial compreender se a polarização política nacional se espraiará às cidades. Improvável que isso ocorra em larga escala, até porque o fenômeno por vezes se mostra marcado por região, ou seja: Lula x Bolsonaro não faz sentido em muitas cidades, seja pelo maior peso dos aspectos locais, seja pela posição por vezes unilateral de um desses nomes em determinadas cidades. Assim, provavelmente, PT e PL não serão os maiores partidos do pleito. É a direita, com legendas do Centrão, que fará mais prefeitos. Nas capitais, inclusive, é a direita quem reina nas pesquisas atuais, lembrando que o pleito majoritário ocorre em turno único em mais de 98% das cidades brasileiras por lei. Assim, considerando a quantidade de prefeitos que mudaram de partido livremente desde 2021, temos que o PL cresceu, mas quem avançou de forma muito intensa foi o PSD, e não devemos esperar pouca força de PP e MDB, assim como de União Brasil. A esquerda pode ter dificuldades e o PSDB deve se preocupar em não encolher ainda mais, pois foi a legenda que mais perdeu prefeitos eleitos em 2020.

 

 

Os impactos para o Brasil em caso de uma vitória de Donald Trump nas eleições estadunidenses

Luciana Wietchikoski[2]

Em março passado, Donald Trump venceu as primárias do partido republicano e assegurou sua candidatura à presidência dos EUA. Mesmo faltando meses para Trump e Joe Biden se enfrentarem nas urnas, avistar a possibilidade do retorno de um extremista de direita à Casa Branca tem gerado questionamentos, se não apreensão, na comunidade internacional. Se eleito, as falas de Trump apontam para uma retomada das ações do seu primeiro mandato, marcadas pelo discurso nacionalista de permanente polarização doméstica e internacional com grupos identificados à esquerda, restrições ao multilateralismo e críticas às instituições responsáveis pela governança global.

Pensando nesse cenário – e cientes da impossibilidade de prévia definição do vencedor da disputa eleitoral estadunidense –, nos perguntarmos: mas afinal, que impactos o Brasil teria a partir de um governo Trump 2.0? Tomando a atual política externa brasileira e o perfil do líder político dos EUA, já sabemos que, ao contrário da relação estabelecida com o ex-presidente Bolsonaro, haveria poucos assuntos em comum entre os dois governos. Assim, para este breve exercício que nos propomos aqui, consideramos três grandes desafios ao Brasil: manutenção da democracia liberal, política externa regional e multilateralismo.

No início de 2023 o Brasil sofreu uma grave tentativa de golpe de Estado realizado por extremistas de direita fortemente vinculado ao movimento homólogo dos EUA. Na época, esse episódio foi, inclusive, um importante ponto de aproximação entre Biden e Lula. Contudo, com Trump no poder, Lula poderá enfrentar dificuldades na sua agenda voltada à defesa das instituições democráticas representativas. No Brasil o movimento não está derrotado e a ascensão de Trump ao poder nos EUA pode levar ao fortalecimento destes grupos aqui no país. No espaço internacional, com a extrema direita na Argentina e alguns países europeus, o ambiente político-ideológico já está mais difícil para Lula. Assim, a vitória de Trump, levaria a um maior isolamento ideológico do Brasil.

Apesar das eventuais convergências existentes, historicamente as relações do Brasil com os EUA são marcadas pelo desafio da assimetria de poder e pela hegemonia regional estadunidense vigente há mais de um século. Com Trump é possível que essa dinâmica deixe de ser “apenas” limitada para tornar-se conflituosa. Por exemplo, os EUA provavelmente ampliarão a pressão para o Brasil assumir maior alinhamento às políticas anti-imigratórias, de combate a governos de esquerda vistos por Trump como inimigos. Para seu apoio, Washington também terá disponível governos de ultradireita na região, como de Javier Milei da Argentina. Um cenário como esse choca-se com as propostas brasileiras de construção do diálogo regional e também mina o projeto de liderança de Lula.

Por fim, a intensiva revisão dos compromissos internacionais assumidos pelos Estados Unidos e a crítica permanente à ordem liberal fundada por eles mesmos há oitenta anos devem ser reerguidas na administração republicana. Como aconteceu no primeiro mandato de Trump, quando os EUA, por exemplo, revisaram a postura em negociações na área de meio ambiente (vide o Acordo de Paris) e até mesmo saíram da Organização Mundial da Saúde. O Brasil de Lula vem realizando contundentes críticas a estas organizações, mas, ao contrário da política de Trump, não tem objetivo de esvaziá-las e sim de reformá-las para se tornarem representativas aos países do chamado Sul Global.

Portanto, uma eleição de Trump aumentará ainda mais as tensões geradas pelas atuais disputas hegemônicas em curso no sistema internacional.  Neste cenário em que pautas do Sul Global tendem ficar de fora das principais discussões, o Brasil precisará fortalecer ainda mais seus laços com as forças progressistas regionais e internacionais existentes bem como aprofundar a diversificação de suas parcerias estratégicas para defender nosso interesse nacional.

 

[1] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.

 

[2] Doutora em Ciência Política pela UFRGS com estágio Pós-Doutoral em Relações Internacionais pela UFSC e professora na Unisinos.

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Reinaldo Themoteo

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