Eleições nas capitais – sinais dados
Humberto Dantas[i]
Estudantes de pós-graduação do curso de Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) têm uma disciplina final no programa intitulada Análise Política. O trabalho de conclusão diz respeito, sempre, a uma construção conjunta em sala de aula. Em ano de eleição é comum olharmos para uma tentativa, no primeiro semestre, de agregação de resultados de pesquisas de intenção de voto, em nível subnacional, que nos ofereçam tendências a respeito daquele pleito vindouro.
Na última semana de junho voltamos o olhar para as 26 capitais brasileiras e algo raro nos chamou a atenção: existem pesquisas realizadas este ano para todas estas cidades – entre 2012 e 2020 isso não foi tão comum. Nesse conjunto de estudos localizados, 14 são de junho, portanto bem recentes. E o que os números nos transmitem em termos agregados até aqui olhando apenas para cenários de primeiro turno?
Partidos de direita lideram em 20 capitais, e somados ao MDB (centro) chegariam a 24. Os destaques individuais são o União Brasil (lidera seis), o PSD e o PL (cinco cada) e o MDB (4). A esquerda lidera apenas em duas cidades – Recife, onde o prefeito deve se reeleger, e Porto Alegre, onde o PT dificilmente vencerá. Na pesquisa paulistana utilizada, quem está na frente, em empate técnico com o segundo colocado, é o MDB do atual prefeito.
Em se tratando de incumbentes que buscam a reeleição, doze já estão liderando a corrida, outros quatro aparecem em segundo lugar, e raros são os casos em que estão mal posicionados – Belém, Belo Horizonte, Goiânia e Teresina, o que não significa que não possam reagir e vencer.
Em relação à questão de gênero, entre os 52 líderes e vice líderes das 26 capitais apenas nove são mulheres, o que significa 17% do total. Destoa nesse cenário a cidade de Aracaju, em que as três primeiras colocadas atualmente, são mulheres.
Em relação à ideia basilar de renovação, não há grandes perspectivas de outsiders, ao menos por enquanto. Mantendo o olhar em líderes e vice-líderes, apenas nove não possem cargos eletivos, e 48% são parlamentares – com absoluto destaque para deputados estaduais e federais, bem como para senadores. Temos nesse rol somente uma vereadora, e aqui parece desafiada a ideia de unificação do calendário eleitoral, reforçando-se a tese de que eleições estaduais e municipais se retroalimentam bienalmente.
Por fim, em relação à ácida polarização nacional persistente entre PT e PL, não há registro equilibrado desse confronto, de forma direta, em qualquer capital. Se há locais onde esse conflito existe de forma mais intensa, os candidatos não são exatamente dessas duas legendas. Com um detalhe: com raras exceções, o PT mal aparece nas capitais, indicando que o partido terá que flexibilizar sua posição federal e tentar organizar acordos que passaram pela eleição de Lula em 2022 – casos de Rio de Janeiro e São Paulo.
Por fim, em relação a cenários mais ou menos equilibrados, chama a atenção o fato de que em oito cidades as distâncias entre líderes e vice-líderes é de até cinco pontos percentuais, em lógica renhida, enquanto em outras cinco capitais o primeiro colocado já acumula mais de 50% nas intenções de votos – Recife, Maceió, Salvador, Macapá e Rio de Janeiro, todas elas com o prefeito na ponta.
Resumo do que temos acima, a despeito de muita água ainda estar por passar sob a ponte: a direita segue dominante no nível subnacional, a reeleição é marca registrada a esta altura, a disputa direta entre PT e PL não está observada diretamente, mas indiretamente deverá ser vista. Estamos atentos aos próximos meses.
Incêndios no Pantanal: entenda suas graves consequências
Regiane Nitsch Bressan[ii]
O Pantanal, uma das maiores áreas úmidas do mundo, enfrenta uma crise ambiental sem precedentes devido aos incêndios que assolam a região. Este bioma, que se estende pelos estados brasileiros de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além de partes da Bolívia e Paraguai, é um ecossistema vital para a biodiversidade global. Os incêndios recentes têm causado danos incalculáveis, afetando a fauna, a flora, as populações locais e as relações internacionais do Brasil.
Nos últimos anos, o Pantanal tem registrado um aumento significativo no número de incêndios. Em 2020, o bioma sofreu sua pior temporada de incêndios em décadas, com cerca de 30% de sua área total queimada. Em 2023 e 2024, a situação não melhorou, com focos de incêndio novamente atingindo níveis alarmantes. As condições climáticas adversas e a seca prolongada, agravadas pelas mudanças climáticas, têm tornado o Pantanal mais suscetível a incêndios.
A expansão da fronteira agrícola e a prática de queimadas para limpar pastagens têm exacerbado a situação. Apesar das proibições de manejo do fogo impostas pelo governo, os incêndios persistem, denunciando a necessidade de fiscalização mais rigorosa e políticas mais eficazes . A falta de recursos destinados à prevenção e combate aos incêndios também é um fator crítico, com muitas áreas afetadas permanecendo sem assistência adequada.
Os incêndios no Pantanal têm consequências sérias para a biodiversidade. O bioma abriga uma rica variedade de espécies, muitas das quais são endêmicas e ameaçadas de extinção. A destruição de habitats naturais compromete a sobrevivência de espécies icônicas como a onça-pintada, a arara-azul e o tuiuiú, símbolo do Pantanal. Além disso, a perda de vegetação afeta os ciclos hidrológicos e a qualidade da água, com impactos diretos na vida aquática e nas populações humanas que dependem desses recursos.
A degradação do solo é outra consequência significativa. As queimadas repetidas reduzem a fertilidade do solo e aumentam a erosão, dificultando a regeneração natural da vegetação. Isso afeta a biodiversidade, bem como a economia local, que depende da pecuária e do turismo ecológico. Somam-se também os impactos nas comunidades locais, populações tradicionais e indígenas que vivem no Pantanal, as quais dependem diretamente dos recursos naturais para sua subsistência. A destruição de florestas, campos e áreas de pesca coloca em risco a segurança alimentar e os modos de vida dessas comunidades. A fumaça e a poluição do ar causam problemas de saúde e doenças respiratórias, aumentando a vulnerabilidade das populações locais .
As queimadas geram também repercussões negativas entre a comunidade internacional. O Brasil enfrenta críticas internacionais devido ao desmatamento na Amazônia, tem sua imagem prejudicada pela gestão ambiental inadequada no Pantanal. Organizações internacionais, governos estrangeiros e ONGs têm pressionado o Brasil a adotar medidas mais eficazes para proteger seus biomas, acusando o país de descaso em relação aos incêndios no Pantanal.
A pressão internacional inclui ameaças de sanções comerciais e a suspensão de acordos bilaterais, como o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, que enfrenta resistência devido às preocupações ambientais. Além disso, investidores estrangeiros têm se mostrado relutantes em financiar projetos no Brasil devido à percepção de risco ambiental. Isso afeta negativamente a economia brasileira, que depende de investimentos externos para crescer.
Em resposta, o governo brasileiro tem tentado demonstrar compromisso com a proteção ambiental através de medidas como o aumento da fiscalização e a criação de brigadas de incêndio. No entanto, essas ações são frequentemente vistas como insuficientes e tardias. Para restaurar sua credibilidade internacional, o Brasil precisa implementar políticas mais robustas e de longo prazo, que incluam a participação das comunidades locais, cientistas e ONGs na gestão sustentável do Pantanal.
Os recentes incêndios no Pantanal são uma tragédia ambiental com consequências profundas para a biodiversidade, as populações locais e as relações internacionais do Brasil. A resposta a essa crise exige uma ação coordenada e eficaz, tanto a nível nacional quanto internacional. Somente através de um compromisso genuíno com a proteção ambiental o Brasil poderá preservar este valioso bioma e restaurar sua imagem global.
Referências:
Incêndios no Pantanal: situação tende a se agravar ainda mais em 2024, dizem especialistas. SOS Pantanal, 20 jun. 2024. Disponível em: [https://www.sospantanal.org.br/incendios-no-pantanal-situacao-tende-a-se-agravar-ainda-mais-em-2024-dizem-especialistas/?gad_source=1&gclid=CjwKCAjwhvi0BhA4EiwAX25uj6w8uyMoeSxyW55ap1beMkvJyX-clIcrKteIdB5Pd2qdfwdQ3otpGhoC-CMQAvD_BwE](https://www.sospantanal.org.br/incendios-no-pantanal-situacao-tende-a-se-agravar-ainda-mais-em-2024-dizem-especialistas/?gad_source=1&gclid=CjwKCAjwhvi0BhA4EiwAX25uj6w8uyMoeSxyW55ap1beMkvJyX-clIcrKteIdB5Pd2qdfwdQ3otpGhoC-CMQAvD_BwE). Acesso em: 24 jul. 2024.
Queimada no Pantanal persiste mesmo após proibição do manejo do fogo. Agência Brasil, 22 jun. 2024. Disponível em: [https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-06/queimada-no-pantanal-persiste-mesmo-apos-proibicao-do-manejo-do-fogo](https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-06/queimada-no-pantanal-persiste-mesmo-apos-proibicao-do-manejo-do-fogo). Acesso em: 23 jul. 2024.
Queimadas no Pantanal. BBC News Brasil, 23 jun. 2024. Disponível em: [https://www.bbc.com/portuguese/articles/czdd7yy183zo](https://www.bbc.com/portuguese/articles/czdd7yy183zo). Acesso em: 25 jul. 2024.
Um Diálogo Renovado: a vitória dos trabalhistas e as relações entre Reino Unido e Brasil
Por Maurício Santoro[iii]
As eleições no Reino Unido resultaram no retorno ao poder do Partido Trabalhista, após 14 anos de governos conservadores. Da perspectiva brasileira, a vitória significa uma maior proximidade de visões políticas entre o primeiro-ministro Keir Starmer e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com oportunidades de cooperação em temas sociais e ambientais.
O novo ministro das Relações Exteriores do Reino Unido é o deputado David Lammy, um homem negro, de classe trabalhadora, descendente de imigrantes do Caribe. Ele anunciou entre seus objetivos o aprofundamento dos laços com a América Latina e a valorização de questões como diversidade e o antirracismo, temas caros também ao presidente Lula. Por exemplo, o governo brasileiro promove ações afirmativas nos novos concursos públicos federais, com a meta de aumentar a representatividade de grupos minoritários no Estado. Autoridades dos dois países podem trabalhar juntas nisso, discutindo também concessão de bolsas nas universidades britânicas para estudantes negros, indígenas e/ou pobres.
Há crescente preocupação global com as mudanças climáticas e com a importância do Brasil em conter o aquecimento do planeta. Nesse contexto, sob os conservadores os britânicos se somaram à Alemanha, Noruega e Estados Unidos como doadores do Fundo Amazônia, contribuindo com cerca de US$500 milhões. Essa cooperação pode crescer, vinculada a outras iniciativas de desenvolvimento sustentável na região, como a defesa de direitos humanos de populações tradicionais, como povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas.
Outro ponto promissor de fortalecimento do diálogo é o combate à fome e à pobreza extrema, que o Brasil destacou como prioridade em sua presidência do G20. O assunto é mais consensual do que a controversa proposta brasileira de implementar um imposto global sobre grandes fortunas.
Impasses: comércio exterior e segurança internacional
Contudo, há dois temas em que a renovação do diálogo enfrenta restrições, devido a divergências que extrapolam a afinidade entre trabalhistas e petistas: comércio exterior e segurança internacional.
O Brexit resultou em consequências negativas para a economia do Reino Unido. Desde que deixou a União Europeia, o país cresceu abaixo da média do continente e demonstrou mais dificuldades em responder às crises. Isso se reflete também na queda do comércio bilateral entre Brasil e Reino Unido. O intercâmbio foi cerca de US$6 bilhões em 2023. Brasileiros exportam para os britânicos soja, ouro, café, carnes, açúcar e celulose e importam artigos de ferro e aço, medicamentos e bebidas alcóolicas. Esses totais correspondem a pouco mais de 1% do comércio exterior do Brasil, e caíram desde o Brexit – antes, eram superiores a US$7 bilhões por ano.
Tanto conservadores quanto trabalhistas acenaram com possibilidade acordo de livre comércio entre Brasil e Reino Unido, mas o presidente Lula não mostrou interesse pelo tema. Seu novo governo tem sido marcado por medidas protecionistas, como aumento de tarifas e concessão de subsídios à indústria brasileira, e com a suspensão dos esforços para ratificar o acordo entre Mercosul e União Europeia que havia sido prioridade de seus dois antecessores.
A segunda discordância é como Brasil e Reino Unido se posicionam frente às guerras da Ucrânia e da Faixa de Gaza, com o governo brasileiro muito crítico a Israel e oficialmente neutro com respeito à Rússia, embora na prática manifestando simpatia ao presidente Vladimir Putin em diversas ocasiões.
As diferenças são expressivas, mas Starmer e Lula têm o potencial de concentrar sua atuação no que ambos têm em comum e fortalecer uma relação bilateral importante.
[i] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.
[ii] Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP. Pesquisadora da Red Latinoamericana de Seguridad Ambiental do Programa Regional de Seguridad Energética y Cambio Climático en América Latina (EKLA). http://www.kas.de/energie-klima-lateinamerika/
[iii] Doutor em Ciência Política pelo Iuperj, professor de Relações Internacionais, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha.