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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 10/2024

Desafios das eleições 2024 / Mais poder e menos orientação programática: a Mesa da Câmara / Balanço das eleições 2024: ainda falta diversidade e equidade na política local

O novo número da série Brasil em Foco está disponível para download gratuito, e traz três artigos sobre os seguintes temas: os desafios das eleições 2024, os desenvolvimentos relacionados à eleição da presidência da Câmara dos Deputados, e também uma análise dos resultados das eleições a partir de um enfoque na diversidade de candidatos eleitos para executivos e legislativos locais. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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Desafios das eleições 2024

Humberto Dantas[i]

Em meados de setembro escrevi artigo no portal da tradicional Revista Problemas Brasileiros, onde regularmente ocupo espaço na coluna Ciência Política me alternando com colegas de profissão. O intuito central era observar tendências que até aquele momento despontavam no pleito municipal de 2024, algo que corriqueiramente analistas políticos buscam fazer. Destaco abaixo cada elemento listado e o que me parece ter ocorrido.

A presença do crime organizado nas eleições nacionais, algo que chama a atenção faz décadas no Brasil, esse ano teve cobertura da grande mídia em maior nível de detalhamento. Assombra como os termos PCC, Comando Vermelho e nomes de outras facções criminosas conhecidas são fácil e naturalmente associados a campanhas que disputam votos e ganham espaços nas urnas.

Além disso, viram-se eleições extremamente violentas nas cidades, símbolo do quanto as pessoas estão mal preparadas para disputas democráticas e como os cargos disputados estão associados ao poder de empregar nas Prefeituras e garantir, emprego e subsistência, em diversas realidades.

Falta de compromisso com respostas assertivas e factíveis em diversos locais, com documentos essenciais como planos de governo distantes do debate e da preocupação das candidaturas. Matéria da BBC escrita por Luiz Fernando Toledo às vésperas das eleições deu conta da quantidade absurda de planos plagiados e vazios. Isso também se refletiu em nível baixo das campanhas com as redes sociais produzindo universo infantilizado, recortado e irreal.

Em resumo, percebemos que formar, educar, amadurecer e elevar o nível da política ainda parece desafio distante. Em especial, este ano, notamos o quanto estamos distantes, a despeito das enchentes do Sul e das secas e queimadas pelo país, de tratar o meio ambiente como assunto decisivo.

Em meio a esta triste realidade, o jornalismo segue repetitivo, pouco criativo, quase nada educativo e incapaz de contribuir com respostas ao desenvolvimento da Democracia. Os debates chegaram a descambar para o vale-tudo, e um candidato sensacionalista e vazio, em São Paulo, virou notícia diuturna a ponto de se tornar fenômeno nacional em matérias preocupadas em capitalizar audiência a partir da estupidez.

Assim, fenômenos esquisitos seguem vivos na política, como resultado de um descompromisso e de um protesto nas urnas que antigamente se caracterizavam como votos nulos, mas hoje se expressam como problemas complexos e sensacionalistas.

Ideologicamente, tendência forte aos partidos de centro-direita e direita, o que se confirmou com os números de prefeituras e assentos legislativos de PP, PSD, Republicanos, União Brasil, MDB e PL, principalmente. E isso refirmou um extremo pluripartidarismo na divisão das cidades, confirmando que nenhuma legenda faria algo entre 1,5 mil ou mil prefeituras, como afirmavam planos ousados e míopes. Ademais, e isso estabeleceu recorde esse ano, atingindo mais de 80%, havia tendência à reeleição no Executivo – o que indica capacidade aguçada de o eleitor avaliar seus mandatários ou um uso estratégico e exagerado das máquinas públicas, o que configura crime eleitoral.

Ainda na seara ideológica, a polarização entre Lula e Bolsonaro, ou PT versus PL seria menos intensa pelo Brasil. Um Bolsonaro pouco presente e um Lula acuado deram o tom do pleito de 2024. Raros foram os embates diretos e equilibrados entre tais legendas no Brasil, inclusive. Assim, a natureza local e os partidos utilizados apenas como critério de elegibilidade pelas campanhas e pelos grupos políticos seguiram em alta.

Por fim, as eleições para o Poder Legislativo parecem seguir sem a devida atenção das cidades e dos eleitores. Pesquisas indicaram dificuldade para os cidadãos escolherem, e as campanhas ainda demonstraram nível aquém da maturidade democrática sonhada. Em resumo: saímos com a percepção de que ainda temos muito o que avançar. Um desafio constante é a representatividade feminina: esta saltou de 16% para 18% dos cargos, ou seja, avançou em ritmo lento e pouco condizente com parâmetros democráticos.

 

Mais poder e menos orientação programática: a Mesa da Câmara

Graziella Testa[ii]

As eleições para a presidência da Mesa da Câmara dos Deputados do Brasil nunca foram tão repercutidas e especuladas na história da República. Esta afirmação pode parecer exagerada, mas será difícil encontrar alguém que acompanhe a política brasileira de perto que discorde. O motivo é uma conjunção de fatores que levaram ao crescimento das prerrogativas e poder discricionários do cargo nos últimos dez anos e que desconfiguraram os principais fundamentos do arranjo conhecido como Presidencialismo de Coalizão.

Dentre as principais mudanças que conferiram tamanho poder e influência ao Presidente da Mesa, as principais são as prerrogativas orçamentárias e o uso estratégico das sessões remotas. Desde o fim do isolamento social decorrente da pandemia, a regra informal adotada pelo parlamento brasileiro é que cabe ao presidente da Mesa decidir se será necessário que os parlamentares se desloquem até Brasília para as sessões ou se estas serão realizadas de modo remoto via aplicativo. Mais de dois anos após o decreto do governo federal que extinguiu os decretos de enfrentamento à pandemia e mais de um ano após a Organização Mundial da Saúde decretar o fim da pandemia, o Congresso Nacional brasileiro segue sem qualquer regulamentação, regras ou critérios para as sessões híbridas. Diante do vácuo normativo, o que resta são grandes poderes discricionários nas mãos do presidente da Mesa.

A questão orçamentária é ainda mais grave. Até 2014, a parcela do orçamento discricionário, isto é, aquela que não está comprometida com despesas fixas, que estava nas mãos dos deputados e senadores era pouco maior do que 4%. Hoje, esse percentual beira os 25%. Em outras palavras, um quarto do orçamento disponível para realização de políticas públicas no Brasil está nas mãos do Poder Legislativo. Este, por sua vez, é comandado pelo Presidente da Mesa. O reflexo dessa mudança foi claramente observado nas últimas eleições municipais: os cem municípios brasileiros que mais receberam recursos orçamentários vindos do Congresso tiveram uma taxa de reeleição de prefeitos de 98%. Quem organiza e tem a palavra final sobre o processo orçamentário no Congresso é o Presidente da Mesa, por intermédio do relator da Comissão Mista de Orçamento.

O resultado das últimas eleições municipais também ajuda a dar pistas sobre o futuro da Câmara. Partido que mais cresceu em número de prefeituras, o PSD tem como pré-candidato Antônio Brito (BA). Outro que teve bons resultados eleitorais foi o Republicanos, que tem como pré-candidato Hugo Motta (PB), o mais jovem da disputa, com apenas 35 anos (e despeito de já exercer seu quarto mandato parlamentar). Até o momento, tudo indica que Motta terá o apoio de Lira. Já o União Brasil, que segue sendo um partido relevante, mas que não cresceu nas últimas eleições, tem como pré-candidato Elmar Nascimento (BA). Aliado de Arthur Lira de longa data, Elmar se afastou do atual presidente da Mesa e busca o apoio dos partidos de esquerda, em especial o PSB, partido de esquerda mais bem-sucedido nas eleições municipais, e do PT, segunda maior bancada da Câmara.

Dentre as três principais pré-candidaturas, o que mais chama atenção são as ausências. Segunda maior bancada da Câmara, o PT tem experiências desastrosas com candidaturas próprias no passado e, portanto, desde o princípio se retirou da disputa e segue ocupando o confortável papel de fiel da balança. Deve se manter assim o máximo de tempo possível. Por outro lado, o PL, que tem a maior bancada da Casa, não consegue emplacar candidatura própria e teve resultados menores do que esperados nas eleições municipais. É difícil inclusive prever uma coesão da bancada do partido em relação a um único nome.

Os partidos que integram o denominado centrão, que não tem orientação política de centro, mas que se define pelo comportamento clientelista, foram os mais beneficiados com as mudanças recentes que expandiram as prerrogativas da Mesa. O que as últimas eleições trouxeram de novidade e que nos ajuda a traçar o cenário político brasileiro é o que, enquanto os partidos moderados de esquerda e direita tiveram uma leve recuperação em comparação com o a avalanche que foi 2018, o comportamento fisiológico foi o grande vencedor das eleições e deve ser recompensado nas eleições para a Mesa de 2025.

 

Balanço das eleições 2024: ainda falta diversidade e equidade na política local

Patricia Rangel[iii]

2024 é um ano chave para a democracia no mundo, com eleições ocorrendo em pelo menos 63 países, mobilizando 44% da população global e cujos resultados impactarão 1,8 bilhão de mulheres e meninas[iv]. No Brasil, a finalização do pleito em 28 de outubro nos oferece evidências para conclusões importantes sobre a democracia e a política local.

 

A primeira conclusão é que falta diversidade. As mulheres já são sub-representadas na política local ao redor do globo (são apenas 35% dos legisladores no governo local)[v], mas isso é agravado no caso brasileiro. Aqui, para se ter uma ideia, este ano, nenhuma vereadora foi eleita em 775 municípios. Destaca-se sobretudo a sub-representação das mulheres negras, indígenas, quilombolas, rurais, ribeirinhas, deficientes e LGBTQIAP+. Dentre os vereadores eleitos, 42% são homens brancos, 38% são homens negros, 11% são mulheres brancas e 7% são mulheres negras. Mulheres indígenas (0,1%), amarelas (0,1%) e homens indígenas (0,3%) e amarelos (0,3%) não somam, juntos, 1% do total.[vi] Também houve uma redução do número de pessoas transexuais e travestis eleitas para este cargo (de 30 para 27)[vii].

 

A segunda conclusão é que a cota de gênero, presente na legislação eleitoral desde 1995 para cargos escolhidos por representação proporcional, não têm sido eficientes em garantir o incremento da presença de mulheres no Legislativo Municipal. Apesar das alterações no mecanismo ao longo desses quase 30 anos, objetivando garantir sua correta aplicação, a representação política das mulheres nas Câmaras Municipais subiu pouco mais do que 5 pontos percentuais nos últimos 20 anos. Em 2024, as 10.634 vereadoras eleitas representam apenas 18% do total (em 2020, haviam sido eleitas 9.371 vereadoras, o que representava 16%). Além disso, dados do Observatório Nacional da Mulher na Política mostram que, este ano, o mecanismo de cota foi descumprido em 772 municípios brasileiros[viii].

[ix]

 

A terceira conclusão é que a evolução da eleição de mulheres tem sido lenta também no Executivo municipal, cargo para o qual não se aplica a lei de cotas. O primeiro turno resultou na eleição de 5.457 prefeitos, dos quais 57% são homens brancos[x]. As 717 prefeitas eleitas então representam 13% do total, um percentual apenas pouco maior do que em 2020 (quando foram eleitas 673 prefeitas, ou 12%). Já no segundo turno, somente 5 das 15 candidatas que estavam concorrendo ao cargo conseguiram se eleger.

 

[xi]

 

Esses resultados reabrem a discussão sobre como aumentar a representação de mulheres em cargos de poder e decisão. O debate público tem passado da reserva de candidaturas para a garantia da paridade, abrindo espaço para abordagens mais ambiciosas e inovadoras. Na primeira reunião de mulheres parlamentares de países do G20, o P20, foi aprovada uma série de recomendações, como a reserva de assentos e financiamento para alcançar a paridade. No encontro, o presidente da Câmara afirmou que é importante estabelecer “cadeiras efetivas” para as mulheres nos Parlamentos, em vez de prever cotas de candidaturas femininas, como ocorre hoje.[xii] No mesmo tom, o Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW)[xiii], em sua Recomendação Geral 40 (GR40)[xiv], reforçou que a “representação igualitária e inclusiva” exige uma paridade não inferior a 50-50 entre mulheres e homens[xv]. O Comitê afirmou que as metas anteriores de 30% estão ultrapassadas e são incompatíveis com o objetivo de eliminar a discriminação contra as mulheres no mundo. Alcançar a paridade permitirá que o Brasil enfrente efetivamente desafios urgentes relacionados a estabilidade política, desenvolvimento econômico, mudanças climáticas, avanços tecnológicos e desigualdade social - questões centrais para o progresso da  igualdade de gênero e dos direitos das mulheres[xvi].

 

 

 

 

 

[i] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.

[ii] é professora na Fundação Getulio Vargas, na Escola de Políticas Públicas e Governo (FGV-EPPG), e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).

 

[iii] Doutora em ciência política (Ipol/UnB) e pós-doutora em Sociologia (FFLCH/USP e Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim), é especialista em temas de gênero e atua como consultora de organismos internacionais.

[iv] https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2024/09/Mensagens-Chave-Eleicoes-2024-ONU-Mulheres.pdf

[v] https://www.ohchr.org/en/press-releases/2024/10/half-power-un-womens-rights-committee-issues-guidance-womens-equal-and

[vi] E 0,6% dos eleitos não informaram raça/cor. https://www.generonumero.media/reportagens/vereadores-eleitos-2024/?utm_campaign=semanal_-_eleitas_-_2410&utm_medium=email&utm_source=RD+Station

[vii] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2024/10/08/12-candidatas-trans-foram-as-mulheres-mais-votadas-em-cidades-brasileiras.amp.htm

[viii] Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados (ONMP) - Nota Técnica nº 6.  Estudo sobre o cumprimento da cota de participação feminina nas Eleições Municipais de 2024 por partidos e federações. Autoria: Marcus Vinícius Chevitarese Alves, Thamara, Dutra Ribeiro, David Mercado Faustino.

[ix] https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2024/noticia/2024/10/07/presenca-de-mulheres-nas-camaras-cresce-e-vai-a-18percent-dos-eleitos.ghtml

[x] https://www.generonumero.media/reportagens/prefeitura-2024-1-turno/

[xi] https://www.generonumero.media/reportagens/prefeitura-2024-1-turno/

[xii] https://www.camara.leg.br/noticias/1104771-estudo-da-camara-mostra-crescimento-de-dois-pontos-percentuais-no-numero-de-mulheres-eleitas/

[xiii] https://www.ohchr.org/en/treaty-bodies/cedaw

[xiv] https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CEDAW%2FC%2FGC%2F40&Lang=en

[xv] https://www.ohchr.org/en/press-releases/2024/10/half-power-un-womens-rights-committee-issues-guidance-womens-equal-and

[xvi] https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2024/09/Mensagens-Chave-Eleicoes-2024-ONU-Mulheres.pdf

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