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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 12/2024

É apenas um passo / Brasil, e a assinatura do Acordo UE-MERCOSUL / COP29 e o Caminho para Belém: Financiamento, Desafios e a Conexão com o Acordo Mercosul-UE

A edição de dezembro da série Brasil em Foco traz três artigos que analisam a assinatura do Acordo EU-Mercosul: o texto da autoria de Humberto Dantas analisa um pouco do histórico das negociações do Acordo. O segundo, escrito por Miriam Gomes Saraiva, traz reflexões sobre os caminhos percorridos até a assinatura, assim como traz reflexões sobre as diferentes conjunturas, de 25 anos atrás quando o processo começou, e a de agora. Anuska faz uma análise sobre a COP29, caminhos para Belém, e investiga conexões com o Acordo EU-Mercosul. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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É apenas um passo
Humberto Dantas 
Quem lê o noticiário pode ficar entusiasmado: uma ideia de um acordo comercial imenso entre a União Europeia e o Mercosul foi concluído e ao longo dos próximos anos pode representar vantagens relevantes para produtos brasileiros de diferentes naturezas. Observar o fato isoladamente não combina com o grau de complexidade de tamanha conquista. 
O documento começou a ser desenhado em 1999, ou seja, faz 25 anos. Em 2019 falou-se em acordo político, que só foi possível de ser concluído agora. Consegue se lembrar o que era sua vida em 1999? Alguns leitores adultos vão dizer que sequer eram nascidos. Mas pense então no que era o mundo. Fernando Henrique reeleito presidente tomando posse de seu segundo mandato, o democrata Bill Clinton no comando dos Estados Unidos, o parlamento alemão voltando para Berlim. Faz tempo, não é? Em 2019, Bolsonaro estava no primeiro ano de mandato, o Reino Unido se organizava para deixar a Comunidade Europeia, sequer tínhamos ideia do que seria a pandemia.
Arranjos desse tipo são complexos e não ocorrem com o mundo estagnado, à espera de suas conclusões sem quaisquer mudanças. Assim, o que ontem era ruim, hoje pode ser bom, e o que hoje agrada, amanhã pode estacionar. Os exercícios dos arranjos dessa natureza são verdadeiros testes de paciência e habilidade comercial e diplomática. Mas vamos tornar as coisas ainda mais desafiadoras. 
Cada país do Mercosul, que mal existe como uma autoridade continental, tem que aprovar as linhas do que ficou combinado em seu respectivo parlamento – importante aqui destacar que há ideia de bilateralidade do acordo de cada país, em tese autonomamente, com a União Europeia. Mas vamos lá: a Argentina de Milei, que afirma ser o Mercosul uma camisa de força, deseja o mesmo que o Brasil de Lula? O Congresso Nacional brasileiro vai ser pressionado por um governo que deseja afirmar que assinou tal conquista, ou vai fazer as vezes de oposição que o tem caracterizado de maneira emblemática ao longo, principalmente, da última década e com ênfase maior nesse instante em que se mostra tão conservador? Uruguai e Paraguai se posicionam de qual forma? O primeiro acabou de alternar a ordem ideológica de sua política em eleições livres e democráticas. Saiu da direita e voltou para a esquerda. O que pode ocorrer em cada localidade destas que seria capaz de atrasar ainda mais a longa história desse acerto? Lembremos: a política tem um tempo próprio, e somar a cronologia de cada país é tarefa diplomática das mais extenuantes. Isso passa longe dos interesses e oportunidades de quem sonha imediatamente com possíveis ganhos.
Mas não se perca achando que tudo será resolvido na parte de baixo do globo terrestre. Ainda falta combinar com os europeus, e por lá, a despeito das 23 línguas para as quais o documento assinado precisa ser traduzido, há concentração de poder em duas esferas parlamentares do continente. Saiba: a Comunidade Europeia não é uma unanimidade entre as nações, e em muitos locais os cálculos do acordo são feitos de forma pontual. Agricultores franceses defendem seus protecionismos, alguns espanhóis foram às ruas reclamar do documento e efetivamente a ideia de continente, por vezes, se perde na vida cotidiana de sociedades bem-organizadas e capazes de promoverem protestos agudos.
Assim, importante enfatizar aqui: o que se assinou no final de 2024 é motivo de comemorações para quem entende de relações internacionais, mas o que se afirma aqui é que assistimos apenas a uma etapa de uma longa trajetória que ainda vai durar. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos com uma única certeza: não estamos diante de uma trilogia, mas de uma longa série.


Brasil, e a assinatura do Acordo UE-MERCOSUL
Miriam Gomes Saraiva 
Em 06 de dezembro de 2024, o MERCOSUL e a União Europeia assinaram o pilar comercial do Acordo de Associação Birregional entre os dois blocos. É importante destacar que o Acordo não se restringe ao livre comércio, sendo um acordo de parceria inter-regional que busca estabelecer linhas de interação e cooperação política. O que foi assinado, em 2024, relativo ao comércio e à dimensão econômica, foi a dimensão mais complicada, que gerou mais desavenças no decorrer dos anos.
O Acordo tem uma história longa. O acordo marco entre os dois blocos havia sido assinado em 1995, mas, apesar do êxito inicial na cooperação e no diálogo político, as negociações para a liberalização comercial iniciaram apenas quatro anos depois. Durante vinte anos, as negociações foram interrompidas e retomadas. e coexistiram com posições divergentes por parte da UE e do Brasil. Se a Política Agrícola Comum atuou como obstáculo da parte europeia, o protecionismo de setores da indústria e a área de compras e licitações governamentais foram os principais entraves colocados pelo Brasil. Em 2019 o acordo chegou a ser assinado, no governo de Jair Bolsonaro, mas sua ratificação não se confirmou. Desde então, a UE reforçou sua orientação ecológica com o Pacto Verde e a política predatória de Bolsonaro para o meio ambiente se tornou o maior obstáculo para a ratificação do acordo.
Chama a atenção que o Acordo tenha sido assinado durante a presidência de Lula, já que ele havia interrompido as negociações durante seus primeiros mandatos. Ele tem preferência por uma estratégia de desenvolvimento calcada no apoio às indústrias, tendo as compras governamentais como instrumento de incentivo à indústria nacional. Ademais, foi formada no Brasil uma frente contra o acordo, composta por diversas ONGs, muitas dessas compondo a base de apoiadores do PT e de Lula. 
Mas o cenário internacional mudou, assim como preferências dentro do Brasil e do MERCOSUL mudaram, e houve flexibilização por parte da União Europeia com as compras governamentais. A ascensão da China e a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos foram incentivos, trazendo para a cena internacional uma perspectiva de polarização entre os dois maiores PIBs do planeta. A ascensão de Trump marca o fortalecimento do protecionismo econômico, que enfraquece o multilateralismo e reforça o exemplo de um modelo protecionista pelo país que exerce uma liderança no bloco ocidental. Nesse cenário a União Europeia tende a perder espaços e ainda ter que lidar com as forças políticas de extrema direita dentro das próprias fronteiras.
No MERCOSUL, a presidência de Lacalle Pou no Uruguai buscou a conclusão do acordo, mas Alberto Fernández, na Argentina, de perfil neodesenvolvimentista, levantava obstáculos a sua assinatura. Mas a eleição de Javier Milei abriu caminho; mesmo ser ter atuado para a assinatura do acordo, aceitou as decisões dos parceiros do bloco. No Brasil, empresários do setor industrial que haviam sido historicamente reativos ao acordo mudaram o entendimento em função dos prazos dilatados para implementação das fases do acordo e da expectativa de superar o atraso tecnológico brasileiro através de algum tipo de articulação industrial.
Porém falta ainda a fase de ratificação e aprovação do acordo no Conselho Europeu e no Parlamento europeu para a parte comercial entrar em vigor, e pelos nacionais para implementação dos demais temas da associação inter-regional. O governo de Emmanuel Macron, pressionado por setores agrícolas franceses, vem encampando uma campanha contra o acordo, buscando o apoio de outros países europeus que têm na Política Agrícola uma dimensão societal importante. Mas o principal passo já foi dado e, estrategicamente e no mundo de hoje, o acordo traz boas expectativas para os dois blocos.

COP29 e o Caminho para Belém: Financiamento, Desafios e a Conexão com o Acordo Mercosul-UE
Anuska Soares 
Os temas como mudanças climáticas e conflitos geopolíticos continuam a ser amplamente discutidos neste final de ano como os de maior importância, refletindo preocupações globais com o meio ambiente, avanços tecnológicos e tensões internacionais. Esse resumo conecta os principais tópicos, destacando os avanços, desafios e a interligação entre a COP29, COP30 e o Acordo Mercosul-UE no contexto climático e comercial global.

Chegamos ao fim de mais uma COP considerada por muitos como “a COP que não entregou”. A COP29, conferência do clima da ONU realizada em Baku, Azerbaijão, terminou no dia  24/11 com a aprovação de um acordo sobre a Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG, na sigla em inglês) de financiamento climático no contexto do Acordo de Paris.
O acordo estabelece que os países desenvolvidos devem “assumir a liderança” no fornecimento de, no mínimo, US$ 300 bilhões anuais até 2035 para apoiar os países em desenvolvimento na implementação de ações de mitigação (redução de emissões de gases de efeito estufa) e adaptação às mudanças climáticas. Os recursos devem vir de diversas fontes, incluindo públicas, privadas, bilaterais, multilaterais e alternativas. Além disso, a decisão convida as nações a cooperarem para alcançar, até 2035, a marca de US$ 1,3 trilhão, provenientes tanto de fontes públicas quanto privadas.
Já sabíamos que seria extremamente desafiador adotar uma nova meta de financiamento climático nesta COP, considerando todo o contexto geopolítico atual, a complexidade e sensibilidade inerentes da própria discussão de financiamento na UNFCCC, além é claro das  circunstâncias que levaram a Baku do petróleo a se tornar presidência desta COP. 
O financiamento é fundamental para viabilizar a implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que estabelecem as metas de redução de emissões dos países. Os países foram incentivados a submeter NDCs atualizadas até 2025, com foco na eliminação gradual de combustíveis fósseis, aumento de energias renováveis e redução de emissões de metano. O Brasil foi um dos primeiros países a apresentar sua nova NDC durante a COP29, com um compromisso de reduzir até 67% de suas emissões até 2035, em relação aos níveis de 2005.
Ainda durante a COP29, foi concluída a regulação da estrutura dos mercados de carbono globais, conforme o Artigo 6 do Acordo de Paris, após nove anos de negociações desde a adoção do Acordo em 2015. A conferência ainda aprovou uma decisão sobre a Meta Global de Adaptação, permitindo a definição de uma metodologia para medir o progresso em relação aos objetivos acordados em 2022, na COP28, em Dubai.
Apesar dos avanços, a COP29 enfrentou críticas significativas. Países em desenvolvimento expressaram insatisfação com o montante acordado para financiamento climático, considerando-o insuficiente para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas. Além disso, a ausência de compromissos claros para a redução do uso de combustíveis fósseis foi alvo de desaprovação por parte de ambientalistas e organizações da sociedade civil. 
A COP29 também estabeleceu o “Roteiro Baku a Belém para 1,3T”, uma trajetória até a COP30, que ocorrerá em Belém, Brasil, em novembro de 2025, coincidindo com o décimo aniversário do Acordo de Paris. Até lá, os países devem trabalhar para definir um caminho de escalonamento do financiamento climático para as nações em desenvolvimento, priorizando recursos não reembolsáveis e instrumentos concessionais, que não gerem endividamento e promovam um espaço fiscal para iniciativas multilaterais.
Não podemos esquecer que o Acordo entre o Mercosul e a União Europeia, concluído em 6 de dezembro de 2024, e a COP30, estão intrinsecamente ligados pelo compromisso mútuo com a sustentabilidade e a proteção ambiental. Pois dentre os compromissos acordados estão o desenvolvimento sustentável, onde o acordo inclui compromissos claros e executáveis sobre desenvolvimento sustentável, abrangendo direitos trabalhistas e a gestão sustentável e conservação de florestas; o combate ao desmatamento Ilegal onde ambos os blocos se comprometem explicitamente a combater o desmatamento ilegal e o comércio associado a essa atividade, além da promoção de produtos sustentáveis, havendo um compromisso de promover esses produtos no comércio birregional, criando oportunidades para pequenos produtores, cooperativas, povos indígenas e comunidades locais. 
A realização da COP30 em Belém, no coração da Amazônia, oferece uma plataforma estratégica para que o Brasil e os países do Mercosul demonstrem seu compromisso com as metas ambientais estabelecidas no acordo com a União Europeia. 
A COP30 permitirá que o Brasil consolide seu protagonismo e capacidade diplomática na agenda do clima, alinhando as políticas nacionais e regionais aos compromissos internacionais firmados no acordo Mercosul-UE. Ainda teremos a possibilidade de discutir e promover a implementação de políticas públicas que conciliem o comércio com o desenvolvimento sustentável, conforme previsto no acordo e também proporcionará engajamento de organizações da sociedade civil na supervisão da implementação do acordo, incluindo preocupações com direitos humanos e ambientais. 
Em resumo, o Acordo Mercosul-UE estabelece uma base sólida de compromissos ambientais que serão fundamentais nas discussões e negociações da COP30, reforçando a interconexão entre comércio internacional e sustentabilidade ambiental.
O documento menciona explicitamente o compromisso dos dois blocos de combater o desmatamento ilegal e o comércio associado a esta atividade. Isso significa que produtos provenientes de áreas onde as leis ambientais não são cumpridas poderão ser restringidos no comércio internacional.
A COP30, em Belém, será crucial para alinhar compromissos nacionais e setoriais, garantindo uma transição mais rápida e equitativa para um futuro resiliente às mudanças climáticas. Espera-se que essa conferência estabeleça novas metas para a redução de gases de efeito estufa e aborde questões pendentes relacionadas ao financiamento climático e à transição energética global.


 

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