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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 5/2023

Tempo e jogo conjunto / A lógica institucional de indicação de juristas para nossa Suprema Corte / Mês da Meia Proteção Ambiental / As negociações Mercosul-UE

Está disponível para download o novo número da série Brasil em Foco, com quatro artigos dedicados aos temas governabilidade, sobre a escolha de novos ministros para o Supremo Tribunal Federal, os desafios na área ambiental e as negociações entre Mercosul e União Europeia, no contexto do acordo e seus impactos. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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Tempo e jogo conjunto – tudo o que não parece existir para ajustar a governabilidade

Humberto Dantas[1]

Aproveitando as tradicionais festas juninas, lembremos uma famosa música: “com a filha de João, Antônio ia se casar, mas a moça fugiu com Pedro, na hora de ir pro altar”. Pense na confusão que isso representa. Presente e futuro configurados ao evento A, e a realidade conduziu para B. Na política não é diferente.

O Congresso Nacional eleito em 2022, fortemente à direita e inclinado a Bolsonaro, assistiu à vitória de Lula. Pois bem, vamos às consequências disso em relação às dificuldades que o atual governo tem no Legislativo.

Lula deixou o poder em janeiro de 2011, e desde então, muita coisa mudou. A década 2013-2022 é o período recente mais emblemático de alterações político-culturais no país – quiçá no mundo. A forma de comunicar, de distribuir poder, de controlar agendas, tudo mudou. Complementarmente, a saída da direita do submundo político, expondo mais evidentemente a lógica conservadora de partes da sociedade, ocupando espaços públicos e emblemada pelo impeachment de Dilma, simbolizam tal realidade. Nesse período, o governo Bolsonaro e a pandemia também trouxeram alterações nas relações entre Planalto e Congresso. O ex-deputado Rodrigo Maia deu início a uma lógica de maior centralidade ao presidente da Câmara que a truculência de Arthur Lira (AL) e a conjuntura mundial adensaram. O Legislativo virtual e o controle de emendas secretas ao orçamento se tornaram armas poderosas. Finaliza esta descrição um “detalhe”: entre 2015 e 2019 a aprovação e o “aperfeiçoamento” das emendas parlamentares impositivas, que elevaram o preço da governabilidade. Lula não conhecia nada disso como presidente empossado, e o PT parece que não compreendeu ou se esqueceu.

Para contrabalancear parte desta realidade, no entanto, ainda em 2022, o STF proibiu a prática do orçamento secreto - forma oculta de distribuir recursos para congressistas -, e a vitória de Lula, contrariando configurações eleitorais que forjaram o atual Legislativo, sinalizaram para um refazer mais tradicional da política. Ao contrário de Bolsonaro, que fugia do relacionamento escancarado com o parlamento, o “novo” presidente insiste com a equipe: recebam legisladores, distribuam recursos, façam política!

Nada disso dará certo, no entanto, sem dois elementos atualmente escassos e complexos: tempo e coletividade. Na sociedade da pressa e dos cálculos individuais, o famoso ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro” e, de preferência, com postagem nas redes sociais, impede acordos políticos tradicionais. Assim, singularmente, Lira sente que está perdendo parte do poder e, reagindo, se torna inimigo “necessário” do Planalto. Coletivamente, em termos partidários, o União Brasil é emblemático: o partido embarcou cedo no governo, ocupou três ministérios e não colabora na mesma proporção no Congresso. Sua ministra do Turismo, por exemplo, é da cota presidencial em gratidão ao apoio eleitoral dado pelo marido na Baixada Fluminense. Ele já se mandou para o Republicanos, o que ainda não ajuda o Planalto. Ela, deputada federal, briga na justiça para segui-lo. O União, magoado, quer outro parlamentar na pasta, e ainda o controle de órgãos públicos no Turismo e nas Comunicações, que também controla. Em troca, garantiria 35 votos na Câmara, já que parte dos seus 59 deputados dificilmente aderirá ao Planalto. Para além disso, diante do atual Congresso, a agenda de Lula nunca será de esquerda. Alguns ministros notaram isso, e enquanto o trio Haddad-Tebet-Alckmin conduzir uma agenda econômica ao centro que terá chances reais de prosperar, um novo inimigo surgirá: a própria esquerda, de parcelas do PT que não entendem o presente e a década recente. Conclusão: a filha de João pode ser feliz com Pedro, mas diante das expectativas de Antônio, nada será simples agora.

 

A lógica institucional de indicação de juristas para nossa Suprema Corte

José Mario Wanderley Gomes Neto[2]

Nos próximos dias, haverá a sessão da comissão de constituição e justiça (CCJ) do Senado para sabatinar e deliberar sobre a indicação do advogado Cristiano Zanin pelo Presidente para a vaga aberta de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Vamos entender o procedimento previsto na Constituição Federal (Artigo 101) para preenchimento do cargo: o Presidente da República escolhe livremente entre pessoas com mais de 35 anos e menos de 65, notável saber jurídico e reputação ilibada. A subjetividade, a amplitude e a generalidade destes dois últimos termos ressalta o caráter político de todo o processo.

Uma vez escolhida a pessoa, a Presidência da República comunica formalmente a indicação ao Senado, que pautará uma sessão da CCJ para ouvir o indicado e decidir secretamente por maioria de votos do colegiado sobre a presença dos requisitos quanto ao saber e à reputação. O nome aprovado é submetido ao Plenário do Senado, devendo ser novamente aprovado pela maioria absoluta dos Senadores. Enfim, o Executivo expede decreto investindo o escolhido no cargo de Ministro do STF. Vê-se claramente a partilha institucional da responsabilidade pela indicação entre Executivo e Legislativo, na lógica do presidencialismo de coalizão.

Dos bastidores da política para a arena das novas mídias, esse procedimento institucional hoje atrai olhares de todos os lados. Os critérios abertos (previstos no texto constitucional) deixam à subjetividade da Presidência a tarefa de selecionar dentre os muitos interessados e ao Senado o papel de fiscalizar a regularidade da indicação (em toda a sua história só houve 5 recusas, todas na Primeira República, sendo a mais notória a do médico Barata Ribeiro), quantos aos referidos requisitos.

É usual os Presidentes escolherem para as Cortes Superiores pessoas alinhadas (total ou parcialmente) com as agendas políticas de governo ou com o conteúdo programático defendido por seu partido, seja no Brasil ou seja em muitos outros países que adotam essa forma de escolha.

Collor indicou Marco Aurélio Mello (seu primo), FHC indicou seu amigo Nelson Jobim, Lula indicou Dias Toffoli (por muitos anos advogado do PT) e também Joaquim Barbosa (algoz de seu partido no julgamento do mensalão), Temer indicou o ex-secretário de justiça Alexandre de Moraes, Bolsonaro indicou André Mendonça (amigo próximo de sua família). Todos indicados em momentos em que os mandatários tinham ampla base de apoio no Senado.

Nomes muito próximos ao Presidente e sem maior destaque nos meios jurídicos possuem maior dificuldade de aprovação, pois implicam em maiores custos políticos, demandando, na base de apoio do governo no Senado, os votos suficientes para aprovar o nome escolhido e os eventuais movimentos que a coalizão fará para obter a aprovação. Consultas prévias à base governista são realizadas e nomes com poucas chances de aprovação, seja por rejeição ou seja por ausência de votos suficientes, sequer são indicados.

Muito se debate, em todos os meios, sobre o grau de representatividade social dos indicados, sobre as suas condições de independência funcional e até sobre seus títulos e conhecimentos técnicos. São pontos relevantes que merecem atenção e podem trazer bons frutos para a atividade do Tribunal. Entretanto, a inserção de novas variáveis na equação decisória sobre a escolha de novos Ministros demanda enfrentar a própria lógica de governabilidade, no ambiente do presidencialismo de coalizão, assim como as responsabilidades compartilhadas entre o Executivo e a Alta Casa do Parlamento.

 

Mês da Meia Proteção Ambiental

Ana Carolina Abreu[3]

No mês que deveria ser dedicado à celebração da natureza e à conscientização do seu valor para a nossa sobrevivência como humanidade, a agenda ambiental sofre com uma contradição antiga que já deveria ter sido superada pelo país mais biodiverso do planeta: desenvolvimento econômico versus proteção ambiental. Enfraquecimento do Ministério do Meio Ambiente (MMA), do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), tentativa de exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, e aprovação do Marco Temporal são alguns dos acontecimentos recentes que abalaram a confiança daqueles que acreditavam que o país estaria começando a trilhar um caminho em prol do desenvolvimento sustentável. Essa crença inicia com a reeleição do presidente Lula com uma forte narrativa em prol da conservação do meio ambiente. No entanto, especialistas da área não se deixaram ludibriar pelas promessas, sabendo da forte oposição que o presidente enfrentaria por um Congresso mais anti-ambiental que aquele que já deixava as boiadas de Bolsonaro passar. O que não se esperava tanto era de que Lula voltaria a beber da fonte do desenvolvimentismo a qualquer custo, uma vez que o atual presidente parecia convencido da falsa contradição segundo a qual as duas agendas se excluem mutuamente.

O que observamos é um malabarismo lulista ao lidar com um cenário muito mais desafiador que aquele dos governos Lula I e II tanto nacionalmente, quanto internacionalmente. Nacionalmente, o presidente tem o desafio de enfrentar um Congresso com uma oposição mais ampla e mais forte pela radicalização política, ao mesmo tempo que deve cumprir suas promessas eleitorais num cenário socioeconômico menos promissor que aquele dos seus governos passados. Internacionalmente, a Guerra da Ucrânia gerou maior retração de investimentos e alta da inflação global. Nesse contexto, parece uma boa ideia investir em um novo “pré-Sal” amazônico, conferindo ao Brasil uma retomada econômica e se fortalecer diante de seus opositores, certo?

Errado. Além dos impactos socioambientais óbvios[i], é notória a reorientação global para uma transição energética que diminuirá a demanda por petróleo e gás, além de exercer maior pressão ao país na condução de uma política ambiental e climática coerente. Os defensores do projeto argumentam que tal transição ainda demorará, e que por isso é necessário que a exploração de petróleo na área é essencial para garantir a oferta de energia no país e financiar a transição energética para fontes renováveis. Contudo, especialistas defendem que esta visão é “anacrônica e até ingênua”, visto que a oferta de energia no país está garantida para as próximas décadas (tanto pelas renováveis quanto não renováveis) e investimentos nas fósseis diminuem investimentos para as renováveis, além de que os potenciais royalties só serão recolhidos mediante da produção efetiva do petróleo ou gás, que só acontecerá no futuro e condizente com o preço internacional do momento[ii].

Assim sendo, o país que detém uma das matrizes energéticas mais “limpas” do mundo e com enorme potencial ainda inexplorado de produção de hidrogênio verde e combustíveis sintéticos, por exemplo, perde oportunidade de negócios e credibilidade internacional ao não constituir uma orientação política clara em prol de uma economia neutra em carbono. Apequenar o MMA, retirando pastas sensíveis do seu comando e não apaziguando a questão energética, estimulando um conflito com o Ministério de Minas e Energia, é “[...] vender o protagonismo climático do país a preço de banana (cargos), deveras barato perto do que ser líder mundial nos traria, inclusive economicamente”[iii]. É hora de estabelecer uma direção política clara, coordenando uma governança ambiental forte, integrando cada vez mais todos os setores. Neste e nos próximos meses, nossos esforços devem ser direcionados para a formação do entendimento nacional de que a transição não é fácil, mas ela é extremamente urgente por uma questão de sobrevivência natural e prosperidade econômica e social.

 

As negociações Mercosul-União Europeia e seus impactos para o futuro do Mercosul

Bruno Theodoro Luciano[4]

Apesar da assinatura de um acordo em princípio em junho de 2019, diversos obstáculos permanecem para a conclusão do Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia. Os altos índices de desmatamento da Amazônia observados no governo Bolsonaro prejudicaram a imagem externa no Brasil e favoreceram as críticas de setores ambientalistas europeus a não aceitar um acordo comercial com o Mercosul sem a inclusão de maiores e mais incisivos compromissos ambientais. Mesmo as mudanças eleitorais no Brasil e os sinais de responsabilidade ambiental dados pelo novo governo Lula não reduziram as pressões provenientes da Europa, as quais levaram a UE a apresentar um Protocolo Adicional (side letter) ao acordo anteriormente negociado, incluindo novas e vinculantes obrigações ambientais para as partes do acordo, sem as quais os parlamentos da Europa não aceitarão ratificá-lo. Apesar das dificuldades em avançar com o acordo e a reticência dos países do Mercosul em assumir compromissos adicionais sem a renegociação de temas sensíveis do acordo como compras públicas, a recente visita da Presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen a países da América Latina, incluindo o Brasil, indicou a vontade da UE em rediscutir o reforço dos compromissos ambientais embutidos no acordo em direção a sua conclusão até o final do ano.

            Para além dos efeitos diretos comerciais, políticos e ambientais esperados em um cenário de finalização deste acordo birregional, é importante refletir sobre quais são os potenciais efeitos da conclusão do acordo para a integração no Mercosul. Nesse sentido, um progresso nas negociações birregionais com a UE pode gerar dois efeitos positivos sobre a agenda externa do bloco. Em primeiro lugar, o avanço nas negociações com a UE deve estimular a condução de outras negociações externas do Mercosul em andamento, com destaque para os diálogos em fase final com Singapura e com o European Free Trade Association (bloco que reúne Noruega, Islândia, Suíça e Liechtenstein), mas também outras negociações em curso, como seria o caso das negociações com o Canadá, Coreia do Sul, Líbano e Tunísia. Por outro lado, uma conclusão do acordo União Europeia-Mercosul também reforçaria a coesão interna do bloco, especialmente no que diz respeito à manutenção do entendimento do bloco de somente negociar coletivamente acordos com países e blocos terceiros, decisão que vem sendo criticada pelo governo uruguaio nos últimos anos, ao buscar negociar unilateralmente um acordo comercial com a China.

            No entanto, caso europeus e sulamericanos não consigam superar suas diferenças ao longo de 2023 e o acordo de associação permaneça no terreno da expectativa, o Mercosul deve se manter estigmatizado como um bloco econômico protecionista e de baixa inserção internacional. Nesse cenário, as possibilidades de fratura do Mercosul se tornam ainda mais consideráveis, tendo em vista a manutenção da pressão uruguaia em negociar acordos unilateralmente, o que na prática abalaria a coesão interna do bloco e enfraqueceria as estruturas da tarifa externa comum do bloco, fato visto décadas atrás na Comunidade Andina quando Colômbia e Peru decidiram negociar unilateralmente acordos comerciais com os Estados Unidos e a UE. Finalmente, importante destacar que os rumos do Mercosul não são somente dependentes da agenda externa do bloco e da interação e conflito entre seus membros, mas também são resultados das dinâmicas políticas-eleitorais de seus países. Nesse sentido, as eleições na Argentina no segundo semestre de 2023 também podem trazer novas dificuldades ao bloco em um cenário em que grupos de extrema-direita saiam vencedores do pleito presidencial, o que traria novos desafios a estabilidade do Mercosul e da relação entre Brasil e Argentina para os próximos anos.  

 

[1] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.

[2] Doutor em Ciência Política (UFPE) e Mestre em Direito Público (UFPE). Professor no PPGD

da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).

[3] Coordenadora de Projetos da KAS Brasil.

[4] Doutor em Ciência Política e Estudos Internacionais pela Universidade de Birmingham, Inglaterra. Marie-Sklodowska Curie Fellow no Departamento de Pesquisa e Estudos Internacionais e no Instituto de Estudos Europeus da Universidade Livre de Bruxelas (ULB),

Bélgica.

 

[i] https://www.oc.eco.br/o-petroleo-nao-pode-ser-deles/

[ii] https://valor.globo.com/opiniao/coluna/investir-em-petroleo-e-anacronico.ghtml

[iii] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/thiago-amparo/2023/05/tiro-no-pe-ambiental.shtml

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