Contribuições aos eventos
A América Latina goza de um enorme potencial para as fontes de energia renováveis com as que poderia cobrir a crescente demanda energética destes países. Que fatores impulsionam a política energética na região? Que condições políticas e econômicas promovem o desenvolvimento destas energias? Como se diferenciam os desafios em cada país? Estas e outras perguntas foram o eixo central da conferência de dois dias denominada « Boa governança visando à transição energética» organizada pelo Programa Regional Segurança Energética e Mudanças climáticas na América Latina da Fundação Konrad Adenauer, com sede em Lima. Congressistas, científicos e expoentes do extenso setor energético de diversos países da América Latina foram convidados para a capital peruana para expor sobre o estado atual da política energética de seus países e os desafios que enfrenta a região. Por outro lado, a contribuição de conferencistas alemães permitiu que os responsáveis da tomada de decisões na América Latina tivessem um olhar mais profundo ao debate tanto alemão como europeu.
Países pequenos em território, como a Costa Rica e o Uruguai, são modelos claros em relação a consequente implementação de uma política de transição energética na América Latina e, portanto, as exposições dos especialistas de ambos os países bem no início da conferência motivaram os participantes. Nestas exposições foi demonstrado que nos últimos três meses a Costa Rica gerou quase 100 % da eletricidade consumida no país com energia renovável, e o Uruguai espera cobrir muito mais da metade de seu consumo energético primário com fontes renováveis para finais de 2015. Embora em ambos os países a energia hídrica tenha um papel preponderante -com uma participação de quase 60 %- a participação de outras energias renováveis cresceu enormemente nos últimos dois anos, sobretudo a da energia eólica. Ramón Mendez, diretor de Energia do Uruguai, assinalou que a receita para este desenvolvimento rápido e exitoso era que haviam «apostado pela licitação em vez da subvenção estatal». Atualmente, as empresas estrangeiras investem sobretudo no setor eólico. Ademais, existe uma série de estímulos tributários, por exemplo, quando os componentes individuais são elaborados dentro do país. O consequente desenvolvimento das energias renováveis tanto no Uruguai como na Costa Rica se origina do desejo de um abastecimento energético independente que ainda tem muito mais para oferecer: não se descarta que, no futuro, o Uruguai possa vender eletricidade limpa a seus vizinhos Argentina e Brasil.
Qual é o estímulo daqueles países com abundantes reservas de combustível fóssil para adaptar seu sistema energético? Na região, o gás e o petróleo são utilizados sobretudo nos setores industrial e de combustíveis. Ademais, a subvenção aos combustíveis fósseis é quase o dobro que a da energia verde. Tendo isto em conta, o analista energético costarriquense Jorge Mario Montero, falou de uma «década perdida» para o desenvolvimento de uma política de transição energética própria da América do Sul. Montero explicou que a região poderia estar muito mais adiantada na adaptação do sistema energético se existisse vontade política, embora também é um feito que a energia limpa tenha se estendido em toda a região. «Os países se declararam a favor da diversificação do mix energético e a diminuição do CO2 daninho para o meio ambiente», pontuou em seu discurso Daniel Chacón, diretor regional da Iniciativa Climática Regional para América Latina (LARCI). Com efeito, a mudança climática e suas consequências negativas para a região se sentem cada vez com mais força, sobretudo desde o ponto de vista da segurança energética; e dado que a América do Sul cobre os 65 % de sua demanda elétrica com energia hídrica, as secas cada vez mais frequentes representam um perigo para o abastecimento energético. Assim, os países tomaram consciência de que o abastecimento energético futuramente deve se basear cada vez mais em fontes alternativas como a eólica, fotovoltaica e geotérmica. Nessa linha, o Brasil -apesar de ser um grande exportador de petróleo- deu já grandes passos até a consolidação da energia eólica, um mercado crescerá futuramente. João Pinho, diretor do Instituto IDEAL para o Desenvolvimento da Energia Renovável localizado no Brasil, adverte que também se devem ter em conta outros setores como a eficiência energética, pois a diminuição das emissões no setor de transporte representa particularmente um desafio para toda América Latina.
Também Chacón, especialista em energia, descarta que o atual preço baixo do petróleo possa frear o desenvolvimento das energias renováveis na região. Explica que, para um país exportador de petróleo como México, é pelo contrário um estímulo para realizar mais investimentos na exploração de fontes de energia limpas. Por outro lado, com a decisão dos últimos anos de privatizar o setor energético e se abrir a investimentos tanto nacionais como estrangeiros, ficam pendentes grandes ajustes na política energética mexicana. A consolidação das fontes de abastecimento limpas são impulsionadas através de licitações e «Certificados de Energia Limpa (CEL)». Este modelo prevê castigar aos provedores que não cumpram com os requisitos específicos para um abastecimento energético verde e contempla que as empresas privadas ampliem a rede elétrica por conta própria. É importante ressaltar que muitos países sul americanos confiaram a adaptação de seus sistemas energéticos em mãos privadas e querem minimizar o controle exercido pelo Estado.
Benjamin Bayer, del Institute for Advanced Sustainability Studies (IASS) de Postam, ofereceu um olhar para a história da transição energética alemã assim como a seu estado atual; Bayer sinalou que uma característica particular da transição alemã é que as energias renováveis são promovidas através de compensações, de modo que também os lares possam investir na ampliação da participação da energia limpa. Entretanto, as condições mudaram: foram reduzidas as subvenções e as licitações públicas têm um papel mais importante, sobretudo no setor fotovoltaico e o eólico onshore. Um método de controle essencial na transição energética alemã é a proteção do clima, pois a Alemanha é conhecida por suas ambiciosas metas neste aspecto: até 2050, as emissões de gases do efeito estufa deveriam ser reduzidas em 95 % em comparação com os níveis de 1990. Quase não existem dúvidas sobre a necessidade de uma transição energética, tanto a nível político como na opinião pública, e o país enfrenta sobretudo os desafios da implementação. Por exemplo, devem ser resolvidas questões técnicas e logísticas como a integração das voláteis energias renováveis na rede, assim como a ampliação socialmente compatível desta. A reforma do sistema energético alemão não se deu da noite para o dia senão que se deu em fases, para desse modo garantir que a transição energética não pusera em risco em nenhum momento a segurança de abastecimento.
Assim como na União Europeia, na América do Sul existem também esforços claros para deixar que os mercados de eletricidade se consolidem e promovê-los com projetos transnacionais. Esta proposta resulta ótima para a utilização de energia regenerativa, pois as diversas condições geográficas fazem que tenha sentido utilizar diversas formas de tecnologia de acordo com cada lugar. No entanto, a integração político-energética não é uma tarefa fácil, pois depende das diversas necessidades e desafios de cada país sul americano.
Atualmente existem diversas instituições que se ocupam do tema da integração energética, como a Organização Latino Americana de Energia (OLADE), que nos últimos anos impulsionou com mais força estes esforços de integração que, no entanto, ainda se levam a cabo principalmente através de projetos bilaterais e sobretudo projetos hídricos, tal como explica Juan José Córdova da consultora KPMG. Os poucos acordos multilaterais existentes se dão até o momento só no setor do gás natural.
Os participantes estiveram de acordo em que é possível uma maior integração, mas eram necessárias condições básicas. «Ainda falta um marco legal conjunto», sinala Enrique Rodriguez-Flores, especialista em energia do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Por outro lado Phillip Offenberg, investigador do Instituto Jaques-Delors, apresentou o estado atual da discussão sobre união energética na Europa, cuja ideia central é que os objetivos nas políticas energéticas e climáticas só podem ser aplicados no âmbito europeu, pois junto com a segurança energética se abarca também o conceito da eficiência energética, a proteção do clima e até a competitividade. Offenberg aclarou que as vantagens econômicas da transição energética poderiam estender-se a toda Europa e que para lográ-la contam com novos modelos de desenvolvimento para empresas, assim como com a criação de postos de trabalho.
Em discussões posteriores foram tratados os temas da segurança de investimento e das condições políticas como requisitos essenciais para uma transição energética exitosa. Pedro Gamio, ex-vice-ministro de Energia do Peru, recordou que em seu país falta, até o momento, uma política tributária clara que impulsione os investimentos em energia renovável. Ademais, o ex-vice-ministro considerou que devem ser reduzidas os entraves burocráticos para estimular os investimentos, e que é igualmente urgente investir na investigação de novas tecnologias. No entanto, os participantes da conferência estiveram de acordo que a política de transição energética sempre depende do contexto e, portanto, um desafio primordial para o futuro é incluir mais a população nestes processos. Atualmente os novos projetos hídricos geram tensão social, pois a população das zonas afetadas frequentemente é recolocada contra sua vontade.
A Conferência sobre as Mudanças Climáticas COP20, realizada em Lima no ano passado, contribuiu de maneira fundamental para que se discuta com mais força a mudança climática na sociedade latino-americana e que se exija da classe política estabelecer e adotar medidas concretas. A participação cada vez mais frequente de políticos na inauguração deste tipo de projetos demonstra que a transição energética tem um papel cada vez mais importante na agenda política. Um exemplo disto foi a presença da presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, na inauguração de um grande parque eólico. Do mesmo modo, a política energética na América Latina é impulsionada desde o ponto de vista da segurança energética: os preços baixos que mantêm atualmente o petróleo afetam sobretudo os países produtores deste hidrocarboneto como Venezuela, Argentina, Brasil e México. Ademais, o perigo cada vez maior da escassez de água impulsiona o desenvolvimento de fontes energéticas alternativas como a fotovoltaica, eólica e geotérmica, energias renováveis que são absolutamente competitivas em muitas partes. «Se são levados em consideração os custos externos da energia fóssil, os prejuízos para a saúde e a destruição do meio ambiente, as energias limpas são cada vez mais vantajosas», expressou o ex- vice-ministro Pedro Gamio.
Ao final da conferência, dominou o consenso de que a raiz de seu enorme potencial geográfico e econômico, a região está na possibilidade de realizar sua própria política de transição energética de maneira consequente. Os diversos painéis e discussões contribuíram a referir-se ao status quo e sinalar os desafios, como o desenvolvimento de uma estratégia própria de cada país, tomando em conta as diferenças regionais. Ao mesmo tempo, estas diferenças são também as que devem impulsionar as alianças regionais e a cooperação entre países em temas de política energética.
Autora: Nora Zaremba | Redator: Dr. Christian Hübner.