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Country reports

Brasil e Uruguai

EVOLUÇÃO, CONVERGÊNCIAS E INTEGRAÇÃO

No início do século XIX, a intermediação da Grã-Bretanha, personificada no Visconde John Ponsonby, possibilitou o acordo entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata com a assinatura da Convenção Preliminar de Paz de 1828, a qual deu origem a um novo Estado sul-americano.

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UM BALANÇO DA RELAÇÃO ENTRE URUGUAI E BRASIL: EVOLUÇÃO, CONVERGÊNCIAS E INTEGRAÇÃO

Rafael Alvariza Allende*

1.O Uruguai do século XIX e o relacionamento com o Brasil como problemática totalizadora

No início do século XIX, a intermediação da Grã-Bretanha, personificada no Visconde John Ponsonby, possibilitou o acordo entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata com a assinatura da Convenção Preliminar de Paz de 1828, a qual deu origem a um novo Estado sul-americano. O Uruguai independente tentava deixar para trás a Província Cisplatina e a pretensão brasileira de chegar ao rio da Prata, porta de entrada para o interior do continente. No passado, ficava a colônia . A reorganização desses espaços de acordo com a lealdade política da época e a consequente transformação dos referenciais que conferem sentimentos de identidade comum a essas sociedades configuraram uma nova territorialidade. Cidades como Montevidéu e Rio de Janeiro, que eram unidades administrativas aglutinadoras de interesses diversos que formavam centros decisórios em determinados momentos, ganharam significado e com o correr do tempo influenciaram a ideia de pátria e serviram de referência para a nova organização política .

O Uruguai nasce em um contexto mundial no qual a Grã-Bretanha exercia a hegemonia imperial, os Estados Unidos e a França desenvolviam um crescente protagonismo internacional e o Império do Brasil dominava o subsistema regional. A isso devem-se acrescentar as intervenções europeias na política doméstica do país, o feroz enfrentamento dos Partidos Colorado e Nacional no seio de um sistema político bipartidário, a constante interconexão entre personalidades da política uruguaia com seus pares na Argentina e no Brasil, bem como a internacionalização dos conflitos interiores que situaram o Uruguai como cenário e participante de importantes contendas no Cone Sul, tais como a Guerra Grande (1829-1851) e a Guerra da Tríplice Aliança (1964-1870), conhecida no Brasil como Guerra do Paraguai.

Esse Estado carente de um sistema político sólido foi definido por um diplomata brasileiro da época como um país “pequeno, débil e pobre” . Esse cenário e a resposta negativa da Grã-Bretanha às reiteradas solicitações de um Uruguai que – temendo os projetos expansionistas de seus vizinhos – manifestava a vontade de submeter-se a um regime de garantias inglesas, representaram a oportunidade perfeita para o estabelecimento do chamado “protetorado virtual” que o Brasil exerceu no Uruguai durante o século XIX. As principais consequências dessa subordinação foram a dependência dos subsídios imperiais, a intromissão de diplomatas brasileiros nos assuntos internos do país e uma dívida em mãos do brasileiro Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá, que se estabeleceu em Montevidéu e foi autorizado a emitir moeda e consolidar sua empresa como centro da atividade comercial, industrial e agropecuária do país.

Essa realidade agravou-se com a ausência de uma fronteira binacional geograficamente definida, motivo pelo qual as relações entre uruguaios e brasileiros seriam marcadas pela vizinhança que se expressava em duas questões dominantes: os limites e a fronteira . No caso uruguaio, isso representou um permanente desafio, levando-se em conta a extensão, a população e o poder desproporcional de seu vizinho ao norte.

Alguns acontecimentos que ilustram o relacionamento das sociedades uruguaia e brasileira no século XIX foram a Revolução Artiguista e o Regulamento de 1815, com a divisão de terras que alcançavam o atual Rio Grande do Sul; a invasão luso-brasileira e a criação da Província Cisplatina (1816-1825); os vínculos de Juan Antonio Lavalleja e Fructuoso Rivera com Bento Gonçalves e outros caudilhos do sul do Brasil, que alimentaram a insurreição oriental e o separatismo da República de Piratini na Guerra dos Farrapos (1835-1845); e finalmente as revoluções de Timoteo Aparicio e Aparicio Saravia que envolveram rio-grandenses e orientais fronteiriços.

Com a independência do Brasil em 1822, o império sentiu necessidade de delimitar seus domínios . Dessa maneira, a demarcação da fronteira ente Uruguai e Brasil foi definida com a assinatura dos cinco tratados de 12 de outubro de 1851. Esses cinco acordos – Tratado de Aliança; de Extradição, de Prestação de Socorro, de Comércio e Navegação, e de Limites – situaram a fronteira ao norte do rio Uruguai e estabeleceram a renúncia à pretensão oriental aos territórios das Missões. Também concederam ao Império do Brasil a exclusividade de navegação na lagoa Mirim e no rio Jaguarão, e a liberdade de navegação no rio Uruguai. Além disso, deram isenção de tarifas alfandegárias ao comércio bilateral e, em clara violação da Constituição nacional, concederam o direito de deportar escravos brasileiros que cruzassem a fronteira para refugiar-se no Uruguai em busca de liberdade. Essa situação de absoluta desvantagem para a nova república foi lembrada no capítulo que Los Debates dedicou em 1899 à historia nacional.

Como é fácil supor, a república entrava na aliança de boa fé. Na situação crítica em que se encontrava o país, o menor distúrbio interno, a menor dificuldade ocasionariam seguramente uma intervenção europeia que talvez anulasse a soberania nacional. (…) Como se vê, o tratado não podia ser mais vexatório para o país. Era evidente e estava na consciência de todos que o Brasil impunha a lei do mais forte, dada as condições em que estava o país naquela época. (…) pois se é verdade que os orientais tinham direitos legítimos aos territórios das Missões, se não os obtiveram foi unicamente devido, em primeiro lugar, ao estado desastroso em que se achava o país ao final da Guerra Grande e, em segundo, à perfídia do Brasil ao impor pela força o referido tratado .

A partir de 1870, acontece o final do “protetorado virtual” brasileiro, com o fim da Guerra da Tríplice Aliança, a crise brasileira e o fechamento do Banco Mauá em Montevidéu. A partir de então, o país teve um sistema político medianamente estável e retomou sua estreita vinculação com a Grã-Bretanha, resultando em prosperidade econômica, fruto do comércio com a ilha. Por isso, o Uruguai adotou uma postura internacional de retraimento, motivo pelo qual se argumentou que o país teve relações exteriores, mas não política exterior até o início do século XX .

2.O século XX e as primeiras experiências de cooperação bilateral

Depois de um longo ciclo de conflitos herdados da época colonial, no século XX as relações entre Uruguai e Brasil encaminharam-se no sentido da cooperação e da coincidência de algumas linhas de ação na política internacional, fruto de mudanças que ocorreram nos dois países.

No início do século, o Uruguai passou por um processo de modernização política identificado com o pensamento e a ação de José Batlle y Ordóñez . Nesse período, construiu uma identidade cultural ocidental e defensora da democracia, consolidou o papel do Estado e sua autonomia e diversificou suas relações com o exterior. As políticas desenvolvidas na época batllista promoveram importantes reformas no Estado, na sociedade e na economia. No que se refere à política exterior, põe-se em prática a chamada diplomacia pendular que favorecia o Brasil como estratégia para contrabalançar a agressiva política exterior argentina, na época sustentada pela Doutrina Zeballos .

Por outro lado, o Brasil vivia uma fase de reorientação de sua política exterior, sob o comando de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão de Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores (1902-1912), o qual promoveu a supremacia compartilhada na América do Sul, a restauração do prestígio internacional do Brasil, a intangibilidade de sua soberania, a defesa das exportações agrícolas e, principalmente, a solução dos problemas de fronteira . Com o barão, as relações exteriores do Brasil adquiriram escala mundial. Nesse período, foi adotada uma política de relacionamento estreito com os Estados Unidos pela qual a América Latina integrava a área de influência brasileira. Essa amizade com os Estados Unidos foi um fator de liberdade nas negociações e na definição de fronteiras com seus vizinhos sul-americanos .

O fato de os governos batllistas adotarem uma postura coincidente com essa linha de política exterior favoreceu a aproximação com o Brasil, principalmente no que dizia respeito à aproximação com os Estados Unidos, vista como necessária por Batlle y Ordóñez para contrabalançar a influência britânica . Quanto à definição de fronteiras, cabe destacar especialmente a exclusão da ameaça ou do uso da força pelo chefe da diplomacia brasileira. Essa abordagem proporcionava a base para uma segunda coincidência importante com o Uruguai: a proposta de arbitragem ampla defendida por Batlle y Ordóñez .

Na perspectiva do Uruguai, a figura de Rio Branco estava associada a sua merecida reputação de solucionador de problemas; prova disso foram os Tratados de 1909 sobre limites, comércio e navegação, que estabeleceram um marco na história da relação binacional: o Brasil cedeu o condomínio das águas da lagoa Mirim e do rio Jaguarão em nome da cordialidade sul-americana. Essa atitude aumentou o prestígio do Brasil no Uruguai, a tal ponto que foram feitas diversas homenagens ao barão. O próprio Silva Paranhos confirmou essa situação em correspondência a um de seus funcionários: “Com o Uruguai, as nossas relações são excelentes, e é imenso o prestígio do Brasil nesse país depois da concessão que espontaneamente lhe fizemos” .

O ano de 1916 ilustra o bom relacionamento bilateral com a assinatura de vários acordos como a Convenção para a melhor caracterização da fronteira , o Tratado de Extradição de Criminosos e a Convenção de Arbitragem Geral Obrigatória, qualificada como a fórmula mais avançada de arbitragem, uma vez que seriam submetidas a ela questões de qualquer natureza que não fossem possíveis de resolver pela via diplomática, inclusive a possibilidade de aceitar a sentença do tribunal de Haia em caso de divergência na designação de árbitro . Outro marco importante foi a assinatura do Tratado sobre Fixação e Liquidação de Dívida de 1918, pelo qual se destinou a dívida histórica para com o Brasil que o país arrastava desde a metade do século XIX para obras de mútuo benefício aos dois países, sendo a Ponte Internacional Barão de Mauá a principal delas . Essa cordialidade continuou até meados do século XX.

A partir de 1950, em consequência de três décadas de industrialização, a América Latina foi permeada por processos desenvolvimentistas propostos por uma nova ideologia integracionista. O Brasil promovia uma política desenvolvimentista focalizada na indústria e na agricultura, enquanto que o Uruguai passava por um retrocesso no crescimento econômico que vinha de décadas e que havia aumentado muito com as exportações de matérias-primas quando as potências globais se enfrentaram nas duas guerras mundiais. Em que pese essas diferenças, a assinatura do Tratado de Montevidéu de 1960, que marcou o nascimento da Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC) – transformada em 1980 na Associação Latino-americana de Integração (ALADI) –, posicionou esses países em uma região que buscava a progressiva autonomia em relação ao pan-americanismo e ao alinhamento automático com os Estados Unidos, posição defendida pelas correntes batllistas no Uruguai na primeira metade do século XX .

No entanto, as influências próprias do desenrolar da Guerra Fria determinaram uma crise política que levaria ao estabelecimento de governos de facto no continente. No Uruguai, o golpe de Estado dado pelo então presidente constitucional Juan María Bordaberry em 1973 provocou – com a dissolução do Parlamento e a suspensão da atividade dos partidos políticos – a eliminação do debate aberto sobre política internacional. Na nova ordem política, o país desenvolveu um relacionamento internacional defensivo, rotineiro e unilateral que – diferentemente de Argentina, Chile e Brasil – significava um modelo de continuidade em relação a seu posicionamento tradicional. A Chancelaria uruguaia ficou relegada a um segundo plano, com diplomatas que puderam fixar posições rotineiras e administrar vínculos bilaterais inspirados pelos acordos anteriores a 1973 .

Em relação ao Brasil, a política de pêndulo inclinada para o gigante sul-americano não variou substancialmente durante o último governo militar . Já em 1968, os presidentes Jorge Pacheco Areco e Artur da Costa e Silva se reuniram na fronteira para discutir sobre a segurança fronteiriça e suas posições na Reunião de Cúpula da Organização dos Estados Americanos, que naquele ano resolveria continuar o estudo da subversão comunista no continente . Em um ato de confirmação da cooperação em política externa, ambos os governos ditatoriais assinaram o Protocolo de Expansão Comercial (PEC) de 1975. Apesar disso, o relacionamento bilateral registrou também alguns desentendimentos naquela época. O sequestro do cônsul e primeiro secretário da Embaixada do Brasil em Montevidéu, Aloysio Dias Gomide, pelo Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros (MLN-T) levou a duras pressões do governo de Emilio Garrastazú Médici sobre o de Jorge Pacheco Areco, o qual se negava a negociar com os guerrilheiros uruguaios. A libertação de Dias Gomide ocorreu em 22 de fevereiro de 1971. Outras questões delicadas foram as exigências de Brasília contra os exilados brasileiros em Montevidéu, entre os quais estavam João Goulart e Leonel Brizola, bem como a coordenação de políticas repressoras contra uruguaios que buscavam refúgio no Brasil. Além desses acontecimentos, a ditadura civil-militar manteve certo isolamento internacional do Uruguai, finalmente interrompido com a reabertura democrática de 1985. A década de 1980, no que diz respeito ao relacionamento multilateral de Uruguai e Brasil, foi marcada pela criação, em 1985, do Grupo de Apoio a Contadora, integrado por Argentina, Brasil, Peru e Uruguai para promover a paz nos conflitos armados da América Central. Essa instância multilateral, junto ao Grupo Contadora, ficou conhecida como o Grupo dos Oito, o qual se transformaria, em 1990, em um mecanismo permanente de consulta e concertação política conhecido como o Grupo do Rio.

Nos anos seguintes, o final da Guerra Fria e o surgimento de um mundo unipolar dominado pelos Estados Unidos deram início na América Latina a uma década marcada pelo Consenso de Washington e suas fórmulas neoliberais, pela assinatura do North American Free Trade Agreement (NAFTA) (1992), pela realização da primeira Cúpula das Américas (1994), na qual foi proposta a criação de uma Área de Livre Comércio nas Américas (ALCA) em 2005, e pela criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) (1995). Naquela época, era possível explicar as políticas exteriores do Uruguai e do Brasil a partir do conceito de “regionalismo latino-americano” amplamente promovido pela Comissão Econômica para América Latina e o Caribe ( CEPAL) na região . Esse “regionalismo aberto” foi utilizado como meio para obter a reinserção internacional dos regimes democráticos depois do isolamento sofrido em consequência das ditaduras civil-militares, bem como da necessidade de otimizar a inserção comercial dos países latino-americanos frente ao desafio imposto por um novo sistema internacional dominado por uma crescente interdependência econômica, uma economia global com mercados ampliados, mais competitivos e fronteiras econômicas redesenhadas. Esse projeto vinha no bojo do ressurgimento da cooperação e da integração, que teve como resultado a construção de um complexo tecido de compromissos regionais e bilaterais cuja meta era a liberalização gradual do comércio, do qual a assinatura do Tratado de Assunção de 1991 por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que deu origem ao Mercado Comum do Sul (Mercosul), é um fiel expoente.

3.O relacionamento uruguaio-brasileiro no terceiro milênio

O terceiro milênio iniciou-se com um mundo que caminha para a multipolaridade e com o exercício do unilateralismo norte-americano após os ataques de 11 de setembro de 2011. A isso é preciso acrescentar a ausência de uma política exterior dos Estados Unidos para a América Latina, a presença da China na região e a crise europeia que reconfiguraram a ordem internacional. Na América Latina, a chegada ao poder dos governos de tendência progressista significou importantes transformações políticas e o estabelecimento de novas dinâmicas multilaterais. Exemplo disso é a reunião de todos os países do subcontinente na União Sul-americana de Nações (UNASUL), que entrou em funcionamento em 2011, bem como a criação em 2010 da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC,) como herdeira dos encargos do Grupo do Rio. A revitalização do papel do Estado como regulador dos mercados, o crescimento econômico e a implementação de políticas sociais foram condicionantes endógenos que permitiram o desenvolvimento de uma nova diplomacia regional.

No Uruguai, a posse do presidente Tabaré Vazquez em 2005 levou à formação do primeiro governo progressista em mãos da coalizão de partidos políticos Frente Ampla e com isso, a mudanças na política exterior posta em prática até então pelo bipartidarismo predominante. Seu programa de governo destacava que os vínculos históricos, a estabilidade política e o desenvolvimento econômico, bem como a circulação de pessoas, determinavam que a primeira relação com o exterior fosse com Argentina e Brasil. Não obstante, o governo de Tabaré Vazquez conduziria uma política exterior pragmática, divida entre o relançamento do Mercosul, sob o lema Mais e melhor Mercosul, e a busca de novos sócios estratégicos, com uma agenda dominada, em certa medida, pelo conflito com a Argentina em torno da instalação de fábricas processadoras de celulose na fronteira binacional, bem como pela negociação de um Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos. Com a reeleição da Frente Ampla e a posse de José Mujica na Presidência da República em 1° de março de 2010, vários analistas concordaram que o novo presidente procurou dar continuidade à política exterior de seu antecessor. Sua plataforma de governo propunha uma estratégia de inserção internacional que privilegiava o Mercosul, mas também o bilateralismo múltiplo. Nesse sentido, ressaltou-se a necessidade de levantar as barreiras intrabloco, de estabelecer níveis de proteção moderados extrabloco e de negociar acordos do Mercosul com outros países. Sob o lema Uruguai aberto ao mundo, configurou-se uma estratégia de desenvolvimento e de inserção internacional baseada na fórmula agro+ inteligência + turismo + logística regional.

No Brasil, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, promoveu-se uma inserção internacional interdependente . Seu governo incentivou a internacionalização das empresas brasileiras, promoveu a integração regional na América do Sul, diversificou as relações com árabes e africanos, fortaleceu a imagem do Brasil como ator internacional, tendo por objetivo principal a obtenção de um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Por sua vez, ainda que a política exterior de Dilma Rousseff possa ser definida como uma continuidade dos principais objetivos internacionais da gestão de Lula da Silva, pode-se dizer que sua diplomacia procura esses objetivos com menor ativismo e maiores limitações externas, caracterizando-se por um ajuste em meio da continuidade .

É possível afirmar que nas últimas décadas o Brasil praticou uma política exterior com o claro objetivo de alcançar o desenvolvimento nacional e convertê-lo em recurso de poder econômico, industrial e militar – pondo a serviço do interesse nacional o progresso tecnológico, a cooperação internacional, os investimentos, a ampliação dos mercados – bem como a obtenção do reconhecimento internacional como “potência regional” e o estabelecimento de “alianças estratégicas” com o resto do mundo.

Com os governos progressistas de Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff no Brasil (2011-), e Tabaré Vázquez (2005-2010 / 2015-) e José Mujica (2010-2015) no Uruguai, as relações bilaterais passaram por uma renovação na cooperação e uma diversificação de agenda. Sinal disso foram as sucessivas visitas presidenciais que esses mandatários fizeram uns aos outros. Tabaré Vázquez foi à Brasília em sua primeira visita oficial ao exterior, em 2005. No ano seguinte, em outro encontro de presidentes em Brasília, Lula da Silva assim se manifestou:

As profundas afinidades entre nossos dois países e governos exigem que avancemos nos grandes projetos de integração física e produtiva de modo a garantir o desenvolvimento solidário de nossos povos. Para cumprir esse objetivo determinei a realização de reuniões em nível ministerial, para tratar de todos os aspectos das relações com o Uruguai No Brasil, temos acompanhado com grande interesse e entusiasmo as realizações de seu governo Esta sua visita ao Brasil marcará uma nova fase no diálogo entre nossos países e na realização do potencial de cooperação entre nossos dois povos .

Em 2011, a escolha de Montevidéu pela presidenta Dilma Rousseff para destino de uma de suas primeiras viagens ao exterior e sua posterior definição das relações com o Uruguai como “estratégicas” significaram um claro sinal que a diplomacia uruguaia soube aproveitar e no qual se percebem três dimensões claramente identificáveis. Numa primeira dimensão, temos a agenda global; numa segunda, as questões referentes aos espaços regionais de integração compõem a agenda regional; na terceira dimensão, encontramos as relações bilaterais, com ênfase no novo paradigma de cooperação e integração que esses Estados propõem.

A dimensão multilateral responde claramente a duas iniciativas: a disposição do Brasil de projetar-se regionalmente e de assumir os custos, e o reconhecimento uruguaio da liderança do Brasil. Exemplo disso é o apoio uruguaio aos posicionamentos do Brasil em diversos foros internacionais, como, por exemplo, a necessidade de reforma das Nações Unidas e a designação do Brasil como Membro Permanente do Conselho de Segurança, e a estreita colaboração na Missão das Nações Unidas para a Estabilidade no Haiti (Minustah). Na OMC, ambos os países defendem na Rodada de Doha o desenvolvimento de um sistema multilateral de comércio e a retirada de barreiras protecionistas aos produtos agrícolas. Outros posicionamentos conjuntos ocorreram no que diz respeito ao estabelecimento de relações com a Palestina e o reconhecimento da autodeterminação de seu povo, assim como a condenação da violação de direitos humanos em vários países do mundo, como no caso do Irã. A proposta uruguaio-brasileira apresentada à OEA de apoio ao governo argentino na contenda que mantém com os fundos financeiros especuladores credores de dívida pública, o apoio do Uruguai a diversas candidaturas de funcionários brasileiros para ocupar a direção de alguns foros internacionais, como a de José Graziano da Silva ao cargo de Diretor Geral da Organização Mundial para a Agricultura (FAO), e a de Roberto Azevedo para Diretor Geral da OMC, e o apoio brasileiro à candidatura do Uruguai a Membro Não Permanente do Conselho de Segurança para o período 2016-2017, são todas iniciativas que demostram a solidez na construção de uma agenda global com coincidências.

No que diz respeito à agenda regional, ambos os países apoiaram a consolidação de distintos espaços de integração regional. Consideraram a União de Nações Sul-americanas (Unasul) a aposta regional mais decisiva, compondo ao lado do Conselho Sul-americano de Defesa e do Banco do Sul espaços de negociação fundamentais em energia, riquezas naturais e renegociação da dívida externa, e reconheceram a CELAC como um espaço multilateral privilegiado. Por sua vez, ambos os países descartaram a entrada na Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA) e reativaram a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (Zopacas). No entanto, o Mercosul é a iniciativa regional mais importante. Nos últimos anos, sua agenda foi marcada pela suspensão do Paraguai e pela entrada da Venezuela no bloco. O julgamento político que depôs o então presidente Fernando Lugo em 2012 representou um dos desafios diplomáticos de maior transcendência para a região. Considerado um ato de ruptura democrática naquele país, o Paraguai foi suspenso do Mercosul e da Unasul. Além das medidas institucionais, os presidentes do Uruguai e do Brasil deram declarações fortes a respeito do problema; enquanto Mujica classificou o episódio de um “golpe de Estado parlamentar” , o Itamaraty condenou a destituição de Lugo afirmando que não houve o direito de defesa, comprometendo a democracia, condição essencial para a integração regional . Paralelamente, nesse mesmo ano ocorreu o ingresso da Venezuela como membro pleno do bloco, ocasião em que novamente os presidentes coincidiram em defender a importância geopolítica e econômica do país caribenho. Ambos os países saudaram também a entrada da Bolívia no bloco. Em um Comunicado Conjunto de 2011, os presidentes José Mujica e Dilma Rousseff reafirmaram que o projeto integracionista é “essencial como instrumento na melhora da qualidade de vida de seus povos e para a inserção internacional do bloco, destacando seu papel estratégico na integração política, social, econômica e comercial, e identificando a necessidade da plena implementação da união aduaneira em curto prazo” .

Em 31 de julho de 2012, as relações uruguaio-brasileiras entraram numa nova etapa com o estabelecimento de uma associação estratégica com base em um “novo paradigma” de integração bilateral, materializado na criação do Grupo de Alto Nível Brasil-Uruguai (GAN). O GAN foi criado para executar o Plano de Ação para o Desenvolvimento Sustentável e a Integração cujo objetivo é a intensificação de diversos projetos de integração, bem como a complementação produtiva e a cooperação. Esse plano abriu espaço também para a associação entre atores públicos e privados que manifestem interesse na cooperação bilateral. Do ponto de vista uruguaio, esse novo paradigma se insere na estratégia do governo que continua privilegiando o Mercosul como plataforma de inserção internacional , embora privilegie também o bilateralismo múltiplo. Um ano depois da consolidação de um “novo paradigma de integração bilateral” entre Brasil e Uruguai, os ministros de Relações Exteriores Antônio Patriota e Luis Almagro realizaram em 9 de julho de 2013, em Brasília, a 1ª Reunião Plenária do Grupo de Alto Nível Brasil-Uruguai (GAN). Esse encontro entre altas autoridades teve por consequência a aprovação do Plano de Ação para o Desenvolvimento Sustentável e a Integração Uruguai-Brasil. Esse plano bilateral estabelece objetivos gerais e específicos, a divisão de tarefas e responsabilidades, a identificação de pontos focais em ambos os governos, bem como prazos para a consolidação da integração bilateral. Com esse propósito, criaram-se seis “subgrupos de trabalho” ou “áreas” em que se discutem iniciativas consideradas prioritárias: integração produtiva; ciência, tecnologia e inovação; comunicação e informação; integração de infraestrutura de transportes; livre circulação de bens e serviços; e livre circulação de pessoas são os temas dos subgrupos, que deverão prosseguir suas atividades e reuniões de forma independente. O GAN é o responsável pelo acompanhamento desses subgrupos e pela avaliação dos progressos registrados, com o objetivo de dar cumprimento aos propósitos traçados no Plano de Ação, o qual também poderá ser modificado e atualizado com novos projetos .

Nesse contexto, cabe destacar as numerosas reuniões entre ministros e demais representantes governamentais em ambos os países que estabeleceram uma complexa agenda de iniciativas bilaterais. Entre elas destacam-se projetos de cooperação energética de matriz eólica; um mecanismo de cooperação bilateral que agrupa os temas de biotecnologia, nanotecnologia, meio ambiente, biomedicina e tecnologias da informação e comunicação; interconexão de redes e a atenção nas áreas de fronteira entre as empresas estatais; cooperação em defesa, assuntos espaciais e estatísticas a partir do interesse de incluir a indústria naval em iniciativas binacionais, intercâmbio de experiências e operações conjuntas de defesa; finalização da construção de uma nova ponte sobre o rio Jaguarão e a restauração da Ponte Internacional Barão de Mauá. Deu-se atenção também à interconexão ferroviária entre as cidades de Montevidéu, Rivera, Santana do Livramento e Cacequi bem como à Hidrovia Brasil-Uruguai, das quais trataram também as Comissões Mistas da Bacia da Lagoa Mirim e do Rio Quaraí. No que diz respeito à livre circulação de bens e serviços, destaca-se o Acordo de Complementação Econômica (ACE n°2), que prevê mecanismos bilaterais para medidas sanitárias e fitossanitárias, regulamentação técnica e procedimentos de avaliação de conformidade, bem como o compromisso de harmonizar trâmites aduaneiros e mecanismos para dirimir divergências comerciais. Para cumprir esses objetivos, criou-se a Comissão de Comércio Bilateral (CCB). Por sua vez, no que se refere à livre circulação de pessoas, destacam-se os acordos obtidos nas áreas de residência, direitos trabalhistas e políticas educacionais e culturais, com ganhos evidentes para a população localizada em áreas de fronteira. Com a aprovação, em 2002, da Nova Agenda de Cooperação e Desenvolvimento Fronteiriço, implementou-se um plano de ação para o desenvolvimento integrado da região que beneficia aproximadamente 800 mil pessoas ao longo de 1.069 quilômetros de fronteira. Entre os principais acordos, destaca-se o Acordo sobre permissão de residência, estudo e trabalho para os nacionais fronteiriços uruguaios e brasileiros (2010) mediante o Documento especial de fronteiriço. Esse acordo inclui também o Ajuste complementar do Acordo sobre permissão de res idência, estudo e trabalho para os nacionais fronteiriços uruguaios e brasileiros para prestação de Serviços de Saúde em sistemas públicos ou contratados entre pessoas jurídicas e físicas, situadas nas localidades fronteiriças. Outras iniciativas referem-se ao Projeto de Saneamento Integrado Acegua-Aceguá e uma variada oferta de cursos binacionais distribuída por centros educativos públicos da região. O objetivo central dessa estratégia é a promoção do desenvolvimento integral da linha de fronteira comum.

Esta ampla agenda de cooperação bilateral se explica também pelas evidentes assimetrias existentes entre o Brasil e o resto do subcontinente, as quais fortaleceram a orientação brasileira para uma política exterior que privilegie também o bilateralismo com seus vizinhos. Nesse sentido, as iniciativas bilaterais de integração aparecem como uma oportunidade para essa internacionalização que o Brasil promove . Esse relacionamento privilegiado com o Brasil parece continuar na nova gestão Vázquez . Em abril deste ano, o chanceler Nin Novoa foi recebido em Brasília por seu colega brasileiro Mauro Vieira, quando se ajustaram os detalhes para a primeira visita ao exterior do presidente do Uruguai à presidenta Dilma Rousseff, que se concretizou em 21 de maio de 2015. Nesse encontro, deu-se continuidade à ampla agenda bilateral e planejou-se a reativação das negociações comerciais para obter o acordo comercial Mercosul-União Europeia, com ênfase na necessidade de um acordo de “duas velocidades” entre os Estados Partes do bloco.

Em termos de comércio bilateral, pode-se afirmar que ele tem crescido nos últimos dez anos. Em 2015, entre os principais destinos das exportações uruguaias, o Brasil aparece como o segundo país de maior importância (14,4%), mesma posição que ocupa no que se refere à origem das importações uruguaias (15,7%). A China é o principal sócio comercial do Uruguai tanto em importações como em exportações. Argentina, Estados Unidos, Alemanha e México ocupam as posições seguintes. Desse modo, o Brasil consolida-se como um sócio comercial estratégico para o Uruguai. A economia uruguaia recebeu investimentos de cerca de 50 empresas de capitais brasileiros e destacam-se as oportunidades de exportação em vários setores, como produtos alimentícios industrializados, bebidas e tabaco, bem como na área de fabricação de substâncias e produtos químicos .

No entanto, essa agenda de cooperação e integração desenvolvida por Uruguai e Brasil não evitou a existência de algumas desinteligências entre ambas as diplomacias. Em 2006, o governo brasileiro repeliu as negociações empreendidas pelo governo uruguaio para a concretização de um TLC com os Estados Unidos, a qual significava um claro enfraquecimento do Mercosul. Embora o acordo com a potência norte-americana não tenha sido assinado, essa aproximação foi interpretada por vários analistas como uma resposta do Uruguai à neutralidade do Brasil e sua incapacidade de atuar como mediador na contenda entre Uruguai e Argentina no que dizia respeito à instalação de fábricas de celulose. Durante essa mesma gestão, os dois países apresentaram candidatos concorrentes à Secretaria Geral do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em 2012, o governo de Rousseff criticou severamente o fato de o Uruguai aceitar a posição de observador na Aliança do Pacífico, por entender que emitiu fortes sinais ao Uruguai com a construção de uma sólida agenda bilateral. Recentemente, a coincidência dos presidentes Vazquez e Rousseff em relação à necessidade de fortalecer as negociações Mercosul-União Europeia e o posterior discurso ambíguo feito na Cúpula de Presidentes do Mercosul realizada em julho último em Brasília, longe de interferir na agenda de cooperação e integração bilateral, demonstram que as Chancelarias de Montevidéu e Brasília nem sempre estão alinhadas.

4.Considerações finais

O relacionamento uruguaio-brasileiro é marcado especialmente pela vizinhança. No caso uruguaio, isso representa um permanente desafio, levando-se em conta a extensão, a população e o poder do Brasil. A partir de meados do século XIX, o estabelecimento de um “protetorado virtual” brasileiro no Uruguai demostrou claras pretensões sub-imperiais. No entanto, a chegada do século XX inaugurou uma política de entendimento e conciliação, a partir da receptividade que obteve no Uruguai a política exterior promovida pelo Barão do Rio Branco. Essa “boa vizinhança” foi clara durante o período batllista e inclinou o pêndulo da política exterior uruguaia em direção ao vizinho do norte. Com o retorno à democracia e o surgimento de diversas iniciativas de integração regional, Uruguai e Brasil apostaram no Mercosul. Um novo cenário de regionalismo sul-americano e a chegada de governos progressistas desenharam uma nova agenda de integração e cooperação que assumiu claramente três dimensões: multilateral, regional e bilateral. Enquanto que na dimensão multilateral, é central o apoio ao Brasil em sua projeção internacional, na dimensão regional, se privilegia o Mercosul como espaço de integração. Não obstante, é na dimensão bilateral que ambos os países concretizam importantes iniciativas de integração e cooperação, sendo a criação do Grupo de Alto Nível Brasil-Uruguai a materialização de um “novo paradigma” no relacionamento entre os dois países.

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